Réus relatam indecisão das autoridades momentos antes da invasão do presídio

O terceiro dia de julgamento do 2º bloco do Massacre do Carandiru contou com o depoimento de dois réus que relataram detalhes dos momentos que antecederam a invasão do presídio. O coronel reformado Valter Alves Mendonça e o major Marcelo González Marques afirmaram nesta quarta-feira (31/07) ter presenciado momentos de total indefinição entre as autoridades sobre qual medida tomar para aplacar a rebelião na Casa de Detenção de São Paulo (o “Carandiru”), que acabou com a morte de 11 presos em 2 de outubro de 1992. Dezoito dos 25 réus, até o momento, preferem exercer o direito de permanecer em silêncio.

Em depoimento que durou cerca de três horas, Mendonça foi o primeiro réu a ser interrogado no dia. Segundo o coronel reformado, no dia da invasão da PM ao Carandiru, ele chegou ao batalhão e recebeu a informação de que havia uma rebelião na Casa de Detenção. “Tentei saber o que estava acontecendo lá, mas não consegui identificar nem quem comandava a operação”, afirmou. Pelo relato, logo depois de receber a notícia foi requisitada a presença da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) no local. Somente ao chegar lá é que ele descobriu que i responsável pela operação era o Coronel Ubiratan Guimarães – morto em 2006 em condições não esclarecidas e apontado por anos como o principal responsável pelo massacre.

Mendonça disse que, ao chegar na Casa de Detenção, se dirigiu para a sala da diretoria onde estava o diretor do estabelecimento penal, José Ismael Pedrosa, Ubiratan e três civis. Depois ele veio a saber serem dois juízes corregedores e o secretário-adjunto da Secretaria de Segurança Pública, Antonio Filardi Diniz. “Percebia que o Pedrosa queria uma intervenção, mas não falava. A preocupação maior dele era a de que a rebelião se alastrasse para o [pavilhão] 8 e ocorresse uma fuga em massa”, afirmou o coronel reformado.

O depoimento de Mendonça foi corroborado pelo depoimento feito pelo major Marcelo González Marques. “Pedrosa falou ao coronel Ubiratan da necessidade da intervenção da PM”, afirmou Marques. Segundo o policial a definição da necessidade da ação foi feita pelas autoridades civis e por Ubiratan, após este conversar com o então secretário da Segurança Pública, Pedro Franco de Campos.

A entrada no Carandiru

Mendonça disse ainda que, antes do Batalhão de Choque entrar no Carandiru, o Coronel Edson Faroro o chamou. “Quando cheguei à frente estava o coronel Ubiratan, dois civis e o coronel Faroro e foi definida a ordem de entrada do Choque [no Carandiru]” , disse o policial.

Logo ao passar a muralha que dava acesso ao pavilhão 9, a ordem de entrada dos batalhões do choque foi alterada. “Teve a troca por conta da informação de que os detentos estavam atirando. Essa foi a exceção que fez acontecer a mudança na operação”, afirmou o major Marcelo González Marques. Segundo ele, os equipamentos utilizados pelos diferentes batalhões do choque não possuíam grande diferença, porém havia diferença entre os treinamentos dos batalhões.

Mendonça e González afirmaram terem participado de três confrontos com presos, dois com troca de tiros e um confronto corporal. Neste último, Mendonça foi ferido por um estilete na altura do braço. Antes de ser atingido, o coronel apreendeu duas armas do primeiro confronto com os presos, as quais entregou para o tenente-coronel Salvador Modesto Madia, ex-comandante da Rota do governo Geraldo Alckmin. Já González afirma não ter visto nenhuma arma de fogo no chão.

Entenda o caso

Em 2 de outubro de 1992, 330 policiais entraram no pavilhão 9 da Casa de Detenção da Capital, o Carandiru, para conter uma rebelião. O resultado da ação da PM-SP (Polícia Militar de São Paulo) foi a morte de 111 presos. O caso demorou 20 anos para ir a julgamento.

O “Massacre do Carandiru” é o maior processo da história o judiciário paulista, o segundo maior do país – fica atrás apenas do massacre de Eldorado de Carajás – e um dos mais imbricados quebra-cabeças da Justiça brasileira. A classificação de massacre para a ação da PM na unidade foi dada pela OEA (Organização de Estados Americanos) no ano 2000.

O juiz José Augusto de Nardy Marzagão, magistrado responsável anteriormente pelo caso, separou o processo em quatro blocos de julgamento, divididos pelas ações policiais ocorridas em cada um dos quatro andares do Pavilhão 9.

O 1º bloco foi julgado em abril deste ano. Após uma semana, o Conselho de Sentença da Vara do Júri de Santana condenou 23 dos 26 réus denunciados pelo MP-SP (Ministério Público de São Paulo).

Neste 2º bloco do julgamento do Massacre do Carandiru são julgados 25 réus – na terça-feira (30/7) o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) confirmou a morte de outro PM que estava denunciado neste processo, diminuindo assim o número total de réus que respondem pelas 73 mortes ocorridas no 3º pavimento do pavilhão 9.

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