por Breno Luiz
Questão curiosa relativa à execução fiscal diz respeito ao direito de resistência do executado quando este não dispõe de recursos para garantia da execução. A execução proposta pela Fazenda Pública para a cobrança de dívida ativa segue o estipulado pela Lei 6.830/80, Lei de Execução Fiscal, e subsidiariamente pelo Código de Processo Civil.
Normalmente, a Fazenda instrui a inicial da execução com a certidão de dívida ativa, com a descrição do valor do crédito do Fisco em face do executado. Se o juiz deferir a inicial, expedirá mandado para citação da parte passiva para que pague a dívida ou garanta o juízo. Não ocorrendo nenhuma destas possibilidades, deverá haver penhora por meio de depósito ou fiança, ou até mesmo arresto, nos casos do executado não possuir domicílio certo ou ocultar-se.
Porém, não prevista na Lei 6.830/80, é a hipótese do executado, já devidamente citado, inconformado com a cobrança da dívida que deu causa à execução, a ela resolver se opor por julgá-la injusta sem, contudo, possuir meios para garanti-la. Como foi citado, a inicial deferida, abre-se o prazo de cinco dias para pagamento da dívida ou para que seja garantida a execução. Findo este prazo, deveria incidir penhora ou arresto sobre seus bens, o que não ocorre por inexistirem. Como a lei autoriza a proposição dos embargos, forma de resistência à execução, apenas depois de garantido o juízo, o executado se vê impotente para defender-se.
Neste caso, comumente o que ocorre é a suspensão do processo, restando ao executado suportar os efeitos da inscrição de seu nome na dívida ativa da pessoa exeqüente (União, Estados ou municípios). Para justificar a diferença de tratamento dado ao executado na ação de execução fiscal e aquele dado ao executado por quantia certa, uma explicação possível advém do fato que a inscrição em dívida ativa constitui título executivo que goza da presunção de certeza e liquidez.
A respeito disto, saliente-se que os adeptos desta concepção não podem se olvidar que esta presunção se subsume ao fato que a certidão de dívida ativa só seria constituída após prévio procedimento administrativo, atendido o preceito constitucional do devido processo legal, observando-se o contraditório e a ampla defesa. Atente-se também que a observação do princípio e das garantias gera apenas uma presunção, não a certeza.
Muitos demandados, sem recursos para a garantia total da execução, objetivando resistir por meio de embargos, nomeiam bens à penhora, apesar de seu valor não representar o total da dívida. Alguns magistrados entendem que neste caso não há garantia do juízo, restando prejudicada a defesa através dos embargos. Outros entendem que nesta hipótese há um pagamento de parcela do débito, da parte incontroversa, e prosseguimento da execução quanto à parte controvertida. Também nesta hipótese não serão conhecidos os embargos, posto que não há segurança do juízo.
Apesar de tudo, alguns julgadores percebem a situação e permitem a defesa por intermédio dos embargos à execução, apesar do valor dos bens oferecidos não representarem o total da dívida inscrita. A lógica seria a aplicação subsidiária do CPC, que permite que os embargos à execução por quantia certa (que pouco diferem dos embargos à execução fiscal) sejam conhecidos sem a necessidade de penhora, depósito ou caução. Também arrima estas decisões o princípio pétreo de garantia do cidadão à tutela jurisdicional.
Com base neste princípio pode-se dizer que mesmo sem meios para garantir a execução que se processa contra ele, não ficará o executado sem a possibilidade de se defender.
Destaque-se que a presunção de certeza e liquidez atribuída ao título fazendário é de caráter júris tantum. Não permitir que se discuta o título apresentado pelo Fisco é tolher o cidadão do direito que lhe garante a livre disponibilidade de acesso aos meios judiciais. É medida que afasta o controle da legalidade dos atos da administração pública e converte o Judiciário em mero endossante da autoridade administrativa.
A Lei 6.830/80 é desproporcional quando estipula a regra da garantia de segurança do juízo, aplicando-a apenas ao contribuinte, sem a necessidade do mesmo para o Fisco. Há uma indevida vantagem proporcionada ao Estado. Ora, é sabido que para embargar a pessoa embargante não precisa nomear bens à penhora ou garantir o juízo. Somente contra a Fazenda Pública. Atente-se que a Constituição da República concedeu à administração privilégios, tais como juízo privativo, prazos dilatados, duplo grau de jurisdição, processo especial de execução (art. 100 da CR, concede tratamento diferenciado enquanto ela é executada), etc. Porém, não concedeu privilégio que justifique que ela, enquanto exeqüente, assuma posição de tal superioridade, como a que ocupa quando o Judiciário impede o conhecimento dos embargos, enquanto ainda não segura totalmente a execução.
Apesar de seu caráter público, a administração não possui indiscriminada superioridade em relação ao cidadão, posto que o país se organiza sob a égide de um Estado democrático de direito, recebendo as pessoas públicas e privadas, físicas ou jurídicas, o mesmo tratamento (art. 5º, caput, CR). As prerrogativas e garantias que concedam a ela certa vantagem devem advir de normas constitucionais, pois estas limitam o poder conferido ao Estado, conforme os princípios que norteiam a constituição, em especial atenção ao princípio da igualdade.
Contudo, se o Judiciário não entender o cabimento dos embargos nestas discutidas condições, além da apelação contra a sentença que os extinguiu, podem-se intentar ações de conhecimento, como a declaratória ou anulatória, além de outras. O cabimento de uma ou outra ação deverá ser analisado caso-a-caso.
É que o acesso ao provimento jurisdicional não pode ser obstacularizado. Inconformado com a cobrança fiscal, ao contribuinte resta o direito de discuti-la. Se a inconformidade deriva da inexistência de relação jurídica ou de imperfeição do título executivo, poderá o mesmo requerer que o Judiciário se manifeste quanto à controvérsia, em sentença preponderantemente declaratória. Se derivar de cobrança injusta, o título já manifestamente inexeqüível poderá pleitear sentença que anule o lançamento fiscal, em sentença preponderantemente constitutiva. Poderá até mesmo cominar os dois pleitos, em ação de caráter declaratório e constitutivo, requerendo que se julgue a relação de existência ou inexistência de relação jurídico-tributária e cumulando a anulação do lançamento do débito.
Estas possibilidades são possíveis mediante a ação incidental dos embargos possuir caráter de resistência à execução. As ações mencionadas no parágrafo acima, ao contrário, são ações autônomas, independentes. O interesse de agir entre elas é estanque. Nos embargos, há eminentemente uma defesa a uma condenação (caráter incidental), gerando sentença condenatória. Nas outras há uma declaração e uma constituição de relação jurídica. Os provimentos jurisdicionais são, portanto, diferentes.
A matéria é objeto de discussão entre os juristas pátrios, não estando ainda pacificada. Filiamo-nos aos que entendem ser cabível a interposição dos embargos, mesmo quando não totalmente segura a execução, observado o caso em concreto, por entendermos não ser possível que se exclua da apreciação do Judiciário lide que tenha o autor fundamentado interesse de agir, existindo possibilidade jurídica.
Assim a imposição de que haja a garantia do juízo, para conhecimento dos embargos, quando a parte não possui recursos para tanto, é para nós, medida arbitrária e inconstitucional, de supremacia desarrazoada do Fisco em face do executado, o que fere as garantias e princípios constitucionais, o que não pode ocorrer em prol da existência de fato do Estado democrático de direito, como previsto na constituição da República Federativa do Brasil.
Revista Consultor Jurídico
10 de dezembro
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