A escalada da violência e a volta das chacinas indicam o fracasso da política de segurança do Estado de São Paulo para lidar com o problema do crime organizado, avalia a coordenadora do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Universidade Federal de São Carlos, Jacqueline Sinhoretto.
“Nenhum país no mundo que tenha enfrentado o crime organizado obteve sucesso com o combate militarizado”, disse ela em entrevista ao Última Instância, depois de mais um episódio, a morte de sete pessoas na quarta-feira (31/10) na cidade do interior de São Paulo em que a socióloga dá aulas. Contando com esses homicídios, a cidade registrou onze mortes com características de execução em outubro.
Além das chacinas, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, pelo menos 89 policiais foram mortos no Estado desde janeiro.
Para Sinhoretto, os episódios de violência extremada tanto no interior quanto na capital paulistana demonstram uma grave crise na segurança do Estado e um quadro de deterioração rápida e preocupante do Estado de Direito. “Temos uma violação dos direitos humanos dos policiais, assim como de qualquer cidadão que tem sua vida ameaçada por estar numa região da cidade suscetível a episódios semelhantes ao ocorrido em São Carlos”.
Sinhoretto criticou o governador Geraldo Alckmin, que, na sua opinião, “avalizou” soluções violentas para os conflitos relacionados ao crime após um confronto envolvendo policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) em Várzea Paulista, que resultou em nove mortes. Alckmin afirmou na ocasião que “quem não reagiu está vivo”. “Existe uma situação onde a violência é vista como saída legítima”, destaca a especialista.
Leia abaixo a entrevista.
Última Instância — O que significa do ponto de vista da situação da segurança no Estado, essas mortes em São Carlos?
Jacqueline Sinhoretto — Isso está dentro de um contexto do crescimento da violência fatal em no Estado de São Paulo. Houve um um crescimento dramático em setembro, o mês de outubro foi ainda pior, e chegamos a esse saldo de policiais mortos de um lado e cidadãos do outro lado, num contexto de enfrentamento entre organizações criminais, o que está nos jornais desde agosto. O aumento nos casos de mortes de policiais confirma essa versão de as mortes relacionadas ao crime estão sendo revidadas com mortes de policiais; por outro lado, passamos a conviver e a assistir novamente, o que é muito lamentável, essa contabilidade de chacinas com bastante características de grupo de extermínio. No caso de São Carlos, homens num Santana branco alvejaram sete pessoas.
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Última Instância — Os homicídios estão fugindo do controle?
Sinhoretto — Tínhamos assistido um declínio dos homicídios desde os anos 2000, mas agora estamos indo para o terceiro mês de crescimento muito pronunciado de mortes com características específicas de execução. Existe um quadro grave de crise na segurança, um quadro de deterioração rápida e preocupante do Estado de Direito — tanto do direito humanos dos policiais, como de qualquer cidadão que está numa região da cidade suscetível a episódios em que sua vida está sob alguma ameaça.
Na minha avaliação, a direção da Segurança Pública não está tendo uma atitude responsável ao deixar de propor uma alternativa à execução sumária de supostos alvos, tanto na garantia de vida aos policiais, quanto nesses episódios de grupo de extermínio. O contexto é muito grave e não vemos o governo tomar iniciativa e desenhar um plano acabado. O que se tem visto são as mortes se multiplicando e o governador indo à televisão defender ações de violência policial, como aconteceu no caso em que a Rota matou nove pessoas em Várzea Paulista. Alckmin foi a público dizer que a ação que estava conforme a lei, destacando que as pessoas que não reagiram ficaram vivas. Existe um apoio oficial à solução violenta dos conflitos relacionadas ao crime, e a violência é vista como saída legítima e autorizada pelo próprio governador.
Essa situação é muito preocupante, porque existe uma crise e uma deteriorização do Estado de Direito. Nenhum país no mundo que tenha enfrentado o crime organizado obteve sucesso através do combate militar, não foi matando que países como a Itália e Colômbia conseguiram superar uma situação de violência extremada, mas com ações de todas as frentes, com poderes locais, estaduais, federais e internacionais. E não é [organizar essas ações] o que o Estado de São Paulo está fazendo.
Última Instância — A subseção da OAB (Ordem dos Advogados de Brasil) em São Carlos afirmou que há uma migração dessas chacinas para o interior do estado por falta de políticas públicas. A senhora concorda com isso?
Sinhoretto — Não poderia dizer que é uma migração, porque parece que é a população da grande São Paulo que estaria sendo vitimada em São Carlos, e não é isso que está acontecendo. Existem organizações criminais que estão estruturadas no território de São Paulo, que foi muito favorecido pela própria política de encarceramento e pela gestão do sistema penitenciário, que construiu prisões no interior e, portanto, expandiu a estrutura carcerária e a estrutura do crime por todos os territórios do Estado.
Última Instância — Há alguma relação possível entre essas mortes e as mortes de policiais?
Sinhoretto — O que está confirmado que essas mortes fazem parte de um contexto de crescimento de violência, isso tanto pode ser uma ação de retaliação, como pode ser uma ação oportunista de um grupo que resolveu se aproveitar de uma situação confusa para um acerto de contas etc.
Última Instância — O fato de as vítimas serem supostos usuários de drogas tem alguma relevância nesse caso?
Sinhoretto – Nenhuma. Segundo as investigações da própria Polícia Civil de São Carlos, apenas uma das vítimas tinha passagem pela polícia, e não podemos supor que por serem usuários de drogas eles estão ligados ao crime organizado. Isso seria um estigma, uma leitura equivocada de uma situação que é inteiramente diferente. Os usuários estão ligados a uma dependência química e não necessariamente implicados em atos criminais como os de uma estrutura de crime organizado. Não dá para estabelecer de maneira alguma esse tipo de relação. Não dá para associar a figura do usuário de drogas ao criminoso em potencial.
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