Escreveu: ABRÃO RAZUK. advogado militante e ex-juiz de direito em MS membro da academia Sul-Mato-Grossense de letras e autor de diversos livros como:
1. Crimes Federais;
2. Enfoques do Direito Civil e Processual Civil;
3. Da Penhora, Editora Saraiva;
4. Dois verbetes na ENCICLOPÉDIA SARAIVA DO DIREITO.
Membro da academia Sul-mato-grossense de letras, cadeira 18.
1. Introdução
O ilustre civilista Clóvis Beviláqua, autor do Código Civil de 1916, em seus comentários àquele substancioso diploma, expôs as três principais teorias sobre a posse: a teoria subjetiva, a teoria objetiva e a sociológica.
O Código Civil atual, instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, manteve incólume essa estrutura doutrinária e legal. O legislador brasileiro adotou a teoria objetiva de Ihering, pois não exige, como requisito para configuração da posse, a apreensão física da coisa ou a intenção de ser o dono dela.
2. A Teoria Objetiva de Ihering
Para Rudolf von Ihering, posse é a exteriorização de um ou alguns dos poderes inerentes à propriedade. Em outras palavras, é a forma como a propriedade se manifesta no mundo exterior, por meio do exercício de atos que demonstram domínio sobre a coisa.
Ihering desenvolveu a teoria objetiva da posse, diferenciando-se da teoria subjetiva de Savigny. Enquanto Savigny exigia a intenção (animus) de ter a coisa como própria, Ihering considera suficiente a prática de atos que externalizem o domínio, independentemente da intenção do possuidor.
Em resumo, para Ihering, a posse é:
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Exteriorização da propriedade
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Ato objetivo
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Visibilidade de domínio
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Base para proteção jurídica
O Código Civil brasileiro, em seu artigo 1.196, consagra a teoria objetiva ao definir possuidor como “todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.”
3. Outras Teorias da Posse
Segundo Pontes de Miranda, posse é a situação de fato em que alguém exerce poder sobre uma coisa como se fosse proprietário, independentemente de ter ou não o direito formal sobre ela.
Para Savigny, a posse resulta da combinação de dois elementos:
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Corpus: poder físico ou controle material sobre a coisa.
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Animus: intenção de possuir a coisa como dono.
Raymond Saleilles via a posse como atividade econômica realizada pelo possuidor.
Já na teoria sociológica, defendida por Raymond Saleilles e Silvio Perozzi, a posse se define quando a sociedade reconhece no possuidor o exercício de fato, servindo como ferramenta para resolver conflitos e assegurar o bem de vida.
Na prática, ao analisar um caso concreto, o operador do Direito precisa conhecer essas teorias para compreender os fundamentos da posse.
4. Sobre o Esbulho Possessório
O esbulho possessório ocorre quando há perda total da posse de um bem, seja ele móvel ou imóvel.
Posse direta é exercida por quem tem a coisa sob sua guarda imediata, como o locatário ou comodatário de um imóvel ou bem.
Posse indireta é exercida por quem, embora não tenha contato físico direto, possui o direito sobre a coisa, como o proprietário que aluga o imóvel.
Sobre o detentor, o artigo 1.198 do Código Civil dispõe:
“Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.”
5. Reintegração e Liminar na Ação Possessória
Quando o possuidor age ilicitamente e de má-fé, invadindo a posse do imóvel e causando perda total, cabe a ação de reintegração de posse.
Salienta-se que, se o esbulho ocorreu há menos de ano e dia, o autor pode requerer liminar, desde que demonstre na petição os requisitos do fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e do periculum in mora (perigo na demora), ou seja, prova pré-constituída.
6. Turbação da Posse
Turbação ocorre quando há interferência parcial na posse, sem perda total do bem.
Exemplo clássico: quando o turbador invade parcialmente uma fazenda, violando o cadeado da porteira e ameaçando entrar.
Em termos jurídicos:
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Esbulho e turbação são formas de violação possessória com diferentes níveis de gravidade.
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Turbação autoriza ação de manutenção de posse.
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Esbulho autoriza ação de reintegração de posse.
Ambas admitem liminar initio litis (logo no início da ação).
O juiz também pode aplicar o princípio da fungibilidade entre as ações possessórias, ajustando o pedido equivocado do autor à modalidade correta.
7. Interdito Proibitório e Imissão na Posse
Em casos de mera ameaça de invasão, caracterizada por atos inequívocos, cabe o interdito proibitório para prevenir o ilícito.
Imissão na posse refere-se ao ato de tomar posse de um bem ou direito, geralmente após decisão judicial ou acordo.
Exemplos:
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Arrematante de leilão judicial, cujo praceamento está formalizado, tem direito à imissão na posse do imóvel arrematado.
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Comprador de imóvel que não consegue a desocupação voluntária do vendedor ou ocupante.
Curiosamente, o juiz pode aplicar o princípio da fungibilidade: mesmo que o autor tenha proposto ação de manutenção quando o correto seria reintegração, o juiz pode recebê-la e processá-la como reintegração, em respeito aos princípios da celeridade e economia processual.
Como bem ensina Mauro Cappelletti:
“O processo é instrumento de realização da justiça.”
8. Conclusão
O tema da ação reivindicatória e do usucapião será abordado em artigo específico futuro.
4 de dezembro
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