”Redução da maioridade penal não reduz crime, não salva sistema”, diz secretário

Depois de 27 anos de atuação no Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, o procurador de Justiça Silvio Cesar Maluf tornou-se, no início do ano, o secretário de Justiça e Segurança Pública do Estado, a convite do governador eleito. Passados quase cinco meses à frente da pasta, ele fala, nesta entrevista ao Correio do Estado, sobre os problemas e as conquistas, tanto no aspecto estrutural e material quanto no aspecto pessoal. Maluf aborda temas como combate ao tráfico de drogas, terceirização de viaturas, ampliação de presídios, entre outros.

CORREIO PERGUNTA – O senhor atua numa área nevrálgica, a da segurança. O que considera ainda seja o principal desafio da política de segurança do Estado?

SILVIO CESAR MALUF – Sendo bem sincero, temos dificuldades estruturais. Nossa tropa é motivada, hoje extremamente integrada – Polícia Civil, Militar, Corpo de Bombeiros – mas a dificuldade estrutural ainda é um impeditivo. Recebemos alguns equipamentos do Sistema Enafron. Só para citar um exemplo, no Imol (Instituto de Medicina e Odontologia Legal) falta a instalação deste equipamento, porque exige não só instalação adequada como a ambiência adequada para o equipamento funcionar. E os prédios nestas situações precisam de readaptações – citei o Imol mas há outros. O mesmo encontramos em algumas delegacias de polícia, em alguns pelotões da Polícia Militar. E quando coloco o problema estrutural, coloco aí a necessidade de mais viaturas também. Porque o governo federal contemplou até pelo trabalho que já foi desenvolvido, a região de fronteira; e o resto do Estado, que também sofre os mesmos tipos de crimes, como via alternativa, ainda falta esta base estrutural. Há muitos prédios que foram alugados – não que isso seja ruim, mas é um prédio que para você investir em adequações e reformas não vai retornar para o Estado. Mas para a resposta efetiva, o que eu tenho, o que eu encontrei, me é suficiente, mas falta a parte de viaturas e uma cota a mais de combustíveis, porque estamos limitados ainda à cota máxima dada no ano passado. Veja que hoje o combustível subiu. Nós já fizemos contas com a Fazenda para os devidos ajustes, que certamente virão.

Quais ações são realizadas para tentar coibir o tráfico de drogas?

Especificamente neste combate temos o policiamento da Polícia Militar – que é ostensivo e repressivo – junto com a Polícia Civil, que faz o trabalho investigativo e preventivo também. Temos índice de 64% de desvendamento de crimes – a média nacional é 8%, a média americana é 65%, a da Inglaterra é de 85% e nós pretendemos chegar lá, é nossa meta. O trabalho destas duas corporações são muito importantes. Além disso, temos como um trabalho para suprir a deficiência, em especial nas cidades de fronteira, o Departamento de Operações de Fronteira, ligado diretamente à Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) e que atinge 40 municípios do Estado. Temos polícia em todos os 79 municípios de MS e o trabalho que ela desenvolve é diuturno, fora incursões em cooperação ou o DOF faz em apoio ou a outra corporação também faz. Além disso, temos a Polícia Rodoviária Estadual, que na verdade faz toda a fiscalização de trânsito, mas se mostrou muito eficiente na apreensão de entorpecentes. Só para se ter uma ideia, num volume cujo número fechamos no início da semana, deu 95 toneladas de entorpecentes só das forças estaduais neste primeiro período do ano. Só a PRE foi responsável por 50 toneladas. Estamos próximos de triplicar a apreensão do mesmo período, que vai dar 2.7 vezes a apreensão em relação ao período anterior. No ano passado inteiro foram 230 toneladas e neste já apreendemos 95 toneladas. Se prosseguir neste ritmo, é assustador o que se pode fazer e o quanto vamos avançar. Dentro da Polícia Civil também há subdivisões (DOF, Denar), grupos policiais que estão preparados para atuar, mas o mais importante é isso, que nós somos recordista nacional em apreensões quantitativas de entorpecentes e isso é um esforço de todas as corporações.

Durante a campanha, o governador Reinaldo Azambuja prometeu a aquisição de dois scanners para o Estado. Como está a viabilização da compra deste equipamento tão estratégico para o combate ao tráfico de drogas?

O scanner para apreensão de drogas é um equipamento extremamente caro. Fizemos os levantamentos iniciais e como este é o primeiro ano de governo, estamos em contenção, ele acaba ficando em segundo plano porque não consegue substituir o elemento humano – isso já está mais do que provado. O serviço de inteligência é eficiente e o equipamento vem na condição de acessório. Nesta condição e sabendo que o trabalho humano é mais eficaz, a gente fez os orçamentos, estamos fazendo os estudos de custo – porque além da aquisição temos que levar em conta a manutenção, a mão de obra. Apenas para confirmar o que eu disse, a maior apreensão de um lote só de entorpecentes, 17,1 toneladas, foi feita por dois policiais. Este efeito colaborador do equipamento é pequeno diante da eficiência do efetivo. Mas já fizemos tratativa, tem algum tempo, quer com a PRF, que tem o equipamento, quer com a Receita Federal, que também tem dois equipamentos. E em ambos os casos eles têm períodos de trabalho em turnos. Então, precisamos qualificar nossos policiais para fazer uso nesta parceria do equipamento. Optamos, então, nesta primeira fase, pela parceria e não pela aquisição.

O governo optou pela terceirização de viaturas das polícias Militar e Civil. Qual a vantagem entre fazer uma locação e uma aquisição?

A aquisição sempre é vantajosa porque entra para o patrimônio do Estado. Mas a viatura adquirida também entra num trabalho de manutenção e, muitas vezes, o sistema é lento para fazê-la. A locação só seria vantajosa para as viaturas que rodam muito, têm que rodar mais de 10 mil quilômetros/mês. Temos viatura que roda 15 mil e algumas chegam até mais do que isso (DOF, PRE, Choque). Estamos, então, fazendo isso como um projeto-piloto, a tentativa de locação. Como pode dar errado ou não ser vantajoso, instalamos paralelamente a de aquisição, montamos atas e vamos fazendo as experiências. O pelotão que está fazendo o estudo é o de Choque. A vantagem da locação é a de não ter veículo parado, já que a empresa fica obrigada a substituir em horas previamente acordadas o carro avariado, por exemplo. E estamos no processo de licitação. Se no final do estudo constatar-se que não é vantajoso, faremos a aquisição.

A situação da superlotação dos presídios é uma realidade dramática no Estado. O que vem sendo feito para amenizar ou solucionar o problema?

Nós temos diversas ampliações. Algumas delegacias que mantinham cadeias públicas passaram para o sistema Agepen. Em Rio Brilhante, Ponta Porã, Naviraí, Jardim e Amambai foram feitas reformas de ampliação. Isso aumentou aproximadamente 270 vagas. E este é um trabalho que, na maior parte das vezes, é realizado pelos próprios presos. O que temos hoje em ampliação é a continuação do fechado de Ponta Porã, com todos os presos trabalhando nela; temos as tratativas de projetos que estão prontos com Coxim, que está bem avançado; ampliação em Nova Andradina e Rio Brilhante. Tudo isso significará mais 200 vagas. Estão fazendo esta reforma com a mão de obra de presos e, boa parte do capital que está sendo investido – além de ser tijolo ecológico feito pelos próprios presos, a serralheria dentro dos próprios presídios – está vindo das penas alternativas, dos juízos das execuções penais, colaboração do Ministério Público, conselhos da comunidade, prefeituras colaborando para que se possa dar mais dignidade ao preso, ao mesmo tempo que ele possa trabalhar. Nós operacionalizamos o semiaberto e aberto de Dourados, que era uma reclamação da população, pois ficava no centro da cidade. Só aí são mais 436 vagas, aproximadamente. E temos a construção do Complexo da Gameleira.

Com tantos cortes de verba anunciados recentemente, o contingenciamento afetará o andamento das obras das cadeias públicas na Gameleira?

Até o momento, não. É uma obra orçada em R$ 52 milhões para erguermos; são 1,6 mil vagas aproximadamente que a gente cria com o Feminino e com dois outros presídios de 600 vagas, que são os masculinos. Isso, pelo que disse a presidente Dilma Rousseff, que haveria cortes de restos a pagar, não é o nosso caso porque pagamos de acordo com o andamento da obra, são as medições. A Caixa Econômica paga só a medição e nós fazemos a nossa medição para depois liberar os pagamentos. E estamos com os pagamentos do mês de março, porque os do mês de abril estão sendo feitos os fechamentos das medições. Quanto mais rápido andar, melhor é. A obra está em fase inicial porque houve lentidão no fim do ano decorrente de mão de obra e decorrente do próprio tempo, que agora está atrapalhando novamente. O Feminino está bem adiantado e, o Masculino, o primeiro deles, se fosse para dar uma data de entrega, caso tudo corra bem, em junho ou julho do ano que vem. O outro, com certeza, não se termina antes de dezembro do ano que vem.

Por que até hoje não foram adotados mecanismos eficientes para barrar a entrada de celulares dentro dos presídios? O que acontece com os bloqueadores que, até hoje, dizem estar num teste que parece interminável?

A questão do teste é um contrato que não pertencia à Sejusp, estava em outra secretaria, enfim…Trata-se de um equipamento que foi desenvolvido aqui no Estado, foi colocado e houve uma série – não do aparelho em si – de danificações dos equipamentos dentro do próprio sistema. Na verdade, temos apenas em uma das unidades, que é o da Máxima da Noroeste. Segundo, vieram grandes promessas do governo federal, na legislação, de que haveria obrigatoriedade de a empresa operadora fazer o bloqueio por área e em vários estados isso foi declarado como inconstitucionalidade. Mas por que o teste não vai para a frente? Porque o equipamento que está sendo utilizado tem deficiências por conta dos pontos de sombra do presídio. Num primeiro momento estes aparelhos foram eficientes. O problema é que a gente tem, numa estrutura prisional, uma série de recortes e bloqueios de concreto que criam sombras, tanto que até a radiocomunicação em nosso sistema analógico não funciona. E a gente se apercebeu disso quando o Sisfron nos trouxe aparelhos digitais para teste e, o primeiro local onde realizaram o teste foi na Máxima, para mostrar a eficiência do equipamento. Mas não temos dentro da Agepen capital suficiente para abrir a licitação para estes super- aparelhos. O que existe são contatos com diversas empresas, negociando custos para ver se é possível instalar. Mas é como eu digo, nada substitui o ser humano. O uso do aparelho celular no presídio é inadmissível, mas eles continuam entrando pelas vias mais surpreendentes. Normalmente são os visitantes que levam e o fazem em pedaços, não levam inteiro. O que se pretende fazer é aumentar o número de revistas e o pente-fino constante, que continua sendo a técnica que melhor resolve a situação. Ela coíbe cem por cento? Não. Mas diminui significativamente. Para ter uma ideia, de janeiro até hoje, já fizemos 18 incursões em presídios com a operação pente-fino. Existe um scanner utilizado em grandes aeroportos, que pega tudo, mas custa aproximadamente R$ 19 milhões, fora o custo da manutenção, então, é algo que não suportamos financeiramente. Por isso continuamos investindo no elemento humano, apostando que com o concurso, o aumento do efetivo de agentes, que possamos fazer uma triagem melhor.

O senhor é a favor da redução da maioridade penal?

Eu gosto de dizer que é uma falácia muito grande: a redução da maioridade penal não reduz crime, não salva sistema. A pessoa achar que por ser menor vai para a cadeia, desculpe, não vai diminuir, não vai. Entretanto, a Globo se eu não me engano, soltou um trabalho dizendo que os menores só tinham 1% de participação em crimes. Causou polêmica. O que eu posso dizer que é realidade do Estado. Temos dados consolidados sobre este assunto e a gente focou nos crimes violentos (homicídio, latrocínio e o próprio roubo). Nossa média deu 37% de participação de menores. E esta nossa estatística se baseia nos homicídios e roubos com autoria desvendada. Eu não posso falar que de mil eu tive 400 em que o menor participou. Não. Porque eu desvendei 64%. Mas dentro daquilo que eu desvendei eu tinha de 36 a 37%, a depender do crime, dado consolidado. Agora, o fato de eu ter um presídio resolve a criminalidade sozinho? Não. Então, colocar um menor no presídio também não. É mais um fator inibidor? É, mas o crime continua aumentando em proporções grandes. As pessoas acham que é só colocar polícia. Mas segurança pública é muito mais que isso. É responsabilidade do Estado mas é um dever de todos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento
Init code Huggy.chat