O Supremo Tribunal Federal e as pesquisas com células-tronco embrionárias

O Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta corte do país, responsável por garantir que nenhuma lei ou ato normativo federal ou estadual viole mandamentos constitucionais, realizou pela primeira vez na história daquela corte, no dia 20/04/2007, uma audiência que contou com a participação de seletos cientistas. Os cientistas expuseram temas sobre o início da vida, com a finalidade de aclarar a possibilidade ou não do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas. Tal audiência foi embasada na Lei 9868/99 que trata das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN), posto que o regimento interno do Tribunal nada fala a respeito.

A discussão sobre a constitucionalidade do fato em questão originou-se quando o então Procurador Geral da República, o Dr. Cláudio Fontelles, ingressou com a ADIN com a finalidade de declarar a inconstitucionalidade do art. 5º e seus parágrafos da Lei 11.105/05 ( da Lei de Biossegurança), que trata da atual permissão do uso de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia.

A brilhante iniciativa da audiência pública, Decisão do Ministro Carlos de Ayres Britto do STF, foi a de ampliar a discussão sobre o início da vida, questão de suma relevância que de certo auxiliará o Tribunal no julgamento da ADIN nº 3510 que pretende impedir a pesquisa com células-tronco de embriões no Brasil.

“Estamos em busca de um conceito para o vocábulo vida”, explicou o ministro Carlos Ayres Britto aos cientistas convidados, que organizados em dois grupos, a favor e contra, ofereceram argumentos para que ele proferisse seu voto – a ser dado provavelmente no final de junho. Segundo a assessoria de imprensa do STF, 17 cientistas foram convidados pelo relator, e nove pela Procuradoria-Geral da República para participar da audiência.

Nas palavras no Ministro Gilmar Mendes: “não há como negar a comunicação entre norma e fato, que constitui condição da própria interpretação constitucional. É que o processo de conhecimento aqui envolve a investigação integrada de elementos fáticos e jurídicos”.

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Cenário atual das células-Tronco (maio 2007):

Atualmente, há 45 projetos sobre células-tronco financiados pelo Ministério da Saúde em andamento no país. Os projetos foram selecionados em uma chamada pública realizada em 2005 (106 projetos concorreram ao financiamento). Dos 45 projetos financiados, 5 têm o uso de células-tronco embrionárias. De acordo com o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães, esses projetos receberam cerca de R$ 10,5 milhões.

As pesquisas com células-tronco embrionárias foram aprovadas no Brasil em março de 2005, com a Lei 11.105/05, Lei de Biossegurança. A lei está formatada legalmente para os processos envolvendo organismos geneticamente modificados e questões relativas a pesquisas científicas com células-tronco embrionárias. Assim permitindo o uso de embriões congelados há mais de três anos em clínicas de fertilização e com o consentimento dos genitores.

O objetivo do trabalho com células-tronco embrionárias humanas fundamenta-se essencialmente na necessidade de conhecer os mecanismos determinantes da diferenciação tecidual que resulta na formação dos diferentes tipos de tecidos a partir de células ainda indiferenciadas. Assim essas células podem vir a ser uma nova alternativa no tratamento de doenças degenerativas: Parkinson, Esclerose Lateral Amiotrófica, dentre outras.

“As células-tronco passaram a ser a grande expectativa dos pacientes e da comunidade científica para se pensar em curar, um dia, doenças neurológicas que são incuráveis”, disse Rosália Mendes-Otero, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Temos um compromisso importante com a pesquisa. Precisamos dar mais chances às pessoas. Não há segurança de cura, mas, se não estudarmos essas células, não vamos saber”, afirmou a neurocientista Lúcia Braga, da Rede Sarah de Hospitais.

“O importante é discutirmos o uso das células-tronco embrionárias. Se não fizermos isso no Brasil, nossos pacientes terão que ir para o exterior em busca de tratamento. Não podemos retroceder; isso seria um desastre”, diz a geneticista Mayana Zatz, diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP).

Na opinião de inúmeros cientistas a vida humana tem início com o surgimento das primeiras células nervosas, a partir do 14º dia de gestação. Da mesma forma que o estado de morte é dito quando há “morte cerebral”, o estado da vida é dito quando há nascimento de neurônios “vida cerebral”. Antes do aparecimento dos neurônios (células extremamente especializadas), há apenas presença de células não especializadas, mas com potencial de transformar-se em qualquer órgão ou tecido (osso, fígado, neurônio inclusive), mas não passam de células não especializadas.

Eu poderia dizer que, também, concordando com o preceito de que a presença de encéfalo é necessário a vida (ou ainda, não há vida sem encéfalo), o STF, em uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), concedeu em caráter liminar, através do Ministro Marco Aurélio de Melo, o direito a uma mulher retirar de seu ventre um bebê anencefálico. A anencefalia, uma má-formação popularmente conhecida como “ausência de cérebro”, leva à morte em 100% dos casos, não havendo relatos de sobrevivência do feto além de minutos ou horas após o parto. Além disso, não há qualquer forma de tratamento ou cura para anencefalia.

Contra argumentando com a ADIN nº 3510, digo que o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser visto de maneira mais abrangente. Tal princípio é um dos responsáveis pela nova roupagem do direito da pós-modernidade, que coloca o homem acima da norma, protege não só a vida, mas a vida digna, sendo dever do Estado ampliar suas políticas públicas e investir em cultura, esporte, lazer e ciência. Ciência essa, balizada na Constituição e construída por conhecimentos éticos, que avança cada vez mais na sua história brilhante. E, qualquer tentativa de retrocesso deve ser podada para se poder viabilizar a vida digna e igualitária garantida às pessoas. Dito isso, o que pretende a Lei de Biossegurança é adequar o Brasil aos novos rumos da ciência mundial. É preciso enquadrar a realidade para que se possa ampliar à população a oportunidade de restabelecer sua vida digna. Então, ao contrário do que se possa pensar, a referida lei está constitucionalmente amparada na igualdade universal e na garantia de ampliação da dignidade humana com resultados que somente as ciências medicas podem dar. Talvez o negar o avanço científico signifique mesmo o negar a esperança aos que estão vivos.

As pesquisas com células-tronco embrionárias ainda não avançaram devido a questões éticas e culturais que envolvem o tema, assim como, por suposta infração a princípios constitucionais. Porém, uma coisa é certa: enquanto os embriões excedentários, sobras das fertilizações in vitro, ficam armazenados em clínicas especializadas em fertilização, o Brasil está perdendo a oportunidade de embarcar na evolução científica e de lutar por melhorias para sua população.

Nota: As células-tronco podem ser encontradas na placenta, na medula óssea e no cordão umbilical. Neste caso, as células-tronco são chamadas de adultas. Também podem ser encontradas em células embrionárias, que são retiradas dos embriões e indicadas pelos cientistas como mais eficientes e com maior capacidade de transformação em outras células.

Ciência significa conhecimento. O cientista é aquele que busca o conhecimento, a verdade testada através de métodos científicos. É preciso trabalhar com seriedade, com ética e avançar nas pesquisas. O simples fato de poder trabalhar com células-tronco embrionárias pode abrir um leque de novos tratamentos e novas curas ou, ao contrário, pode nos conscientizar de que essas células são inviáveis. Porém, é necessário saber.

DECISÃO: Vistos, etc. Ante a saliente importância da matéria que subjaz a esta ação direta de inconstitucionalidade, designei audiência pública para o depoimento de pessoas com reconhecida autoridade e experiência no tema (§ 1º do art. 9º da Lei nº 9.868/99). Na mesma oportunidade, determinei a intimação do autor, dos requeridos e dos interessados para que apresentassem a relação e a qualificação dos especialistas a ser pessoalmente ouvidos. 2. Pois bem, como fiz questão de realçar na decisão de fls. 448/449, “a audiência pública, além de subsidiar os Ministros deste Supremo Tribunal Federal, também possibilitará u”a maior participação da sociedade civil no enfrentamento da controvérsia constitucional, o que certamente legitimará ainda mais a decisão a ser tomada pelo Plenário desta nossa colenda Corte”. Sem embargo, e conquanto haja previsão legal para a designação desse tipo de audiência pública (§ 1º do art. 9º da Lei nº 9.868/99), não há, no âmbito desta nossa Corte de Justiça, norma regimental dispondo sobre o procedimento a ser especificamente observado. 3. Diante dessa carência normativa, cumpre-me aceder a um parâmetro objetivo do procedimento de oitiva dos 3. Diante dessa carência normativa, cumpre-me aceder a um parâmetro objetivo do procedimento de oitiva dos expertos sobre a matéria de fato da presente ação. E esse parâmetro não é outro senão o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, no qual se encontram dispositivos que tratam da realização, justamente, de audiências públicas (arts. 255 usque 258 do RI/CD). Logo, são esses os textos normativos de que me valerei para presidir os trabalhos da audiência pública a que me propus. Audiência coletiva, realce-se, prestigiada pela própria Constituição Federal em mais de uma passagem, como verbi gratia, o inciso II do § 2º do art. 58, cuja dicção é esta: “Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. (…) § 2º. Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: (…) II – realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil; (…)” 4. Esse o quadro, fixo para o dia 20.04.2007, das 09h às 12h e das 15h às 19h, no auditório da 1ª Turma deste Supremo Tribunal Federal, a realização da audiência pública já designada às fls. 448/449. Determino, ainda: a) a expedição de ofício aos Excelentíssimos Ministros deste Supremo Tribunal Federal, convidando-os para participar da referida assentada; b) a intimação do autor, dos requeridos e dos amici curiae, informado-lhes sobre o local, a data e o horário de realização da multicitada audiência; c) a expedição de convites aos especialistas abaixo relacionados: c.1. Mayana Zatz, Rua do Matão, 277, Sala 211, Cidade Universitária, Bairro Butantã, São Paulo-SP, CEP 05.508-090; c.2. Lygia V. Pereira, Rua do Matão, 277, Sala 211, Cidade Universitária, Bairro Butantã, São Paulo-SP, CEP 05.508-090; c.3. Rosália Mendes Otero, Avenida Rui Barbosa, 480, Ap. 601, Flamengo, Rio de Janeiro-RJ, CEP 22.250-020; c.4. Stevens Rehen, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Bloco “F”, Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, CEP 21.941-590; c.5. Antonio Carlos Campos de Carvalho, Rua General Glicério, 355, Ap. 602, Laranjeiras, Rio de Janeiro-RJ, CEP 22.245-120; c.6. Luiz Eugenio Araújo de Moraes Mello, Rua Álvares Florence, 161, Bairro Butantã, São Paulo-SP, CEP 05.502-060; c.7. Drauzio Varella, Rua Joaquim Floriano, 72, Conjunto 72, São Paulo-SP, CEP 04.534-000; c.8. Oscar Vilhena Vieira, Rua Pamplona, 1197, Casa 04, Jardim Paulista, São Paulo-SP; c.9. Milena Botelho Pereira Soares, Rua Waldemar Falcão, 121, Candeal, Salvador-BA, CEP 40.296-710; c.10. Ricardo Ribeiro dos Santos, Rua Waldemar Falcão, 121, Candeal, Salvador-BA, CEP 40.296-710; c.11. Esper Abrão Cavalheiro, Rua Botucatu, 862, Ed. José Leal Prado, Vila Clementino, São Paulo-SP, CEP 04.023-900; c.12. Marco Antonio Zago, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto-SP, CEP 14.049-900; c.13. Moisés Goldbaum, Avenida Dr. Arnaldo, 455 , 2º andar, Sala 2255, Cerqueira César, São Paulo-SP, CEP 01.246-903 c.14. Patrícia Helena Lucas Pranke, Avenida Ipiranga, 2752, sala 305, Santana, Porto Alegre-RS, CEP 90.610-000; c.15. Radovan Borojevic, Avenida Pau Brasil s/nº, CCS, Bloco “F”, Ilha do Fundão, Rio de Janeiro-RJ, CEP 21.941-970; c.16. Tarcisio Eloy Pessoa de Barros Filho, Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 333, 3º andar, sala 302, Cerqueira César, São Paulo-SP, 05.403-010; c.17. Débora Diniz, Caixa Postal 8011, Setor Sudoeste, Brasília-DF, CEP 70.673-970. Às Secretarias Judiciária e das Sessões para as providências cabíveis. Publique-se. Brasília, 16 de março de 2007. Ministro CARLOS AYRES BRITTO Relator 1

Art. 5° É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizadas nos respectivos procedimentos, atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data de publicação desta Lei, ou que, já congelados na data de publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

§ 1° Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2° Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisas ou terapia com células-troncoembrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética e pesquisa.

§ 3° É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei n° 9.434, de 4 de fevereiro de 1997

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Talden Farias
advogado militante na Paraíba e em Pernambuco, mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), especialista em Gestão e Controle Ambiental pela Universidade Estadual de Pernambuco (UPE), professor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas da Paraíba (FACISA) e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

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