por Eduardo Mahon
Recentemente, tive oportunidade de travar um excelente debate sobre o acesso dos tribunais de contas, composição, atribuições e outros temas que gravitam em torno do papel institucional da fiscalização pública externa e interna. Ao findar a série de artigos, batidos e rebatidos, ponteados e contraponteados, inclusive pelo atual presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, chegamos a conclusões uníssonas, como sói ocorrer numa peleja de idéias:
a) a existência e a função dos tribunais de contas são plenamente coerentes com o objetivo constitucional de controle de poder;
b) a forma de acesso está regulada na legislação e precisa ser revista ou, pelo menos, debatida novamente pela sociedade;
c) o investimento nos tribunais de contas reverte-se em benefícios da sociedade, desde que utilizados os recursos para implementar qualificação de pessoal, investimento maciço em tecnologia e formas dinâmicas de controle e prevenção de gastos públicos;
d) os membros dos tribunais precisam dar o exemplo de lisura, de modéstia no empenho de verbas e de autocontrole.
Discute-se, agora, na antevéspera da aposentadoria de um conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso a possibilidade de que seu próprio filho possa ascender à cadeira vaga do pai. Não raras vezes, há talentos que são legados à família, como a arte de escrever, colecionar, guiar, advogar, caçar, empreender, ensinar; enfim, um conjunto de atribuições que bem podem ser transmitidas à posteridade familiar. São dons que fazem dos pais verdadeiros espelhos para o filho.
“Quando crescer, serei como meu pai”, é um dito comum entre os jovens que têm a propensão ou de copiar ou, de outra banda, romper com as atividades dos que são mais próximos. Até então, compreensível até o estimulo pela carreira entre pais e filhos, estes querendo seguir os passos, ombrear-se e até superar uns aos outros, na parcela de contribuição ao serviço público. Todavia, com os tribunais de contas, ocorre uma diferença fundamental.
É que o método de eleição para que um novo conselheiro venha a assumir é, essencialmente, político, numa integração de vontades entre o legislativo e o executivo. Geralmente, os conselheiros são pessoas que têm uma extensa lista de serviços públicos, seja como técnicos, seja como políticos: foram secretários, deputados, senadores, prefeitos, governadores; o assento no tribunal pressupõe a experiência acumulada para saber discernir, na gestão pública, o que parece irregular, ilegal e criminoso, daquilo que é notoriamente um equivoco. Mas não é só isso. O método de assunção é político (questionável por mim, noutra oportunidade) e, sendo assim, voltamos à máxima de que “nem tudo o que é legal, é moral”. Vejamos.
Uma coisa é um deputado ser sucedido por seu filho, também eleito deputado, e assim sucessivamente — trata-se de um projeto político-partidário, onde o partido, controlado ou não por uma facção, coloca à disposição da sociedade para o pleito democrático, o nome dos seus filiados, sejam parentes ou não. Mas quem decide é o eleitor e não o executivo ou membros do parlamento. Outra coisa bem diversa é a indicação (sublinhe-se o critério subjetivo da indicação), de um membro parente direto de primeiro grau para substituir o anterior, no mesmo posto jurídico-político. Distintas situações, porque a indicação parte do princípio de que há gestões políticas e que a coisa pública deve levar em consideração não os laços de parentesco, mas a relação de moralidade, hoje inserta no texto constitucional. Foi com esse arrimo legal que o nepotismo foi abolido, ainda que parcialmente.
Poucos citam, mas a moralidade é um quesito intrínseco na formulação republicana, mas hoje se encontra positivado na regulação geral da administração pública (artigo 37, CF). Então, os atos do administrador não devem atentar apenas para a simplória pergunta “há algo que me impeça?”. Não é essa a única baliza para o controle de poder num estado republicano, de cunho democrático, como o nosso. A legalidade é apenas um dos cinco princípios reitores da ordem constitucional para a administração. Particularmente, no caso, podem ser afetados outros dois: impessoalidade e moralidade. Estes têm exatamente o mesmo calibre que a legalidade, muito embora o costume despreze a moralidade como diretiva objetiva a ser considerada.
Num passado recente de Cuiabá, quando alguém queria saber a família de determinado cidadão, questionava-se “gente de quem?”. É claro que uma comunidade pequena como a nossa não se desatrelou do costume de saber exatamente as origens dos concidadãos e isso não é necessariamente ruim. Saber o nome dos parentes mais próximos e a história familiar é motivo de orgulho para o mato-grossense que deve perpetuar esse hábito, preservando as tradições que cimentam nossos relacionamentos. Entretanto, há um abismo constitucional que distam as práticas do compadrio, filiação e vassalagem, da ética republicana de contensão de poder e do estado democrático de direito que visa impessoalidade, moralidade, legalidade, eficiência e publicidade. Diante da ordem constitucional, não importa saber “gente de onde”, “gente de quem”, nem “gente que tem”.
Revista Consultor Jurídico
10 de dezembro
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