A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) decidiu, por unanimidade, manter a proibição da juntada dos antecedentes criminais e infracionais das vítimas em processo que apura tentativa de feminicídio e de homicídio. A decisão é da Desembargadora Karla Aveline de Oliveira, relatora da Correição Parcial, julgada nesta quarta-feira (17/12).
O recurso foi interposto pela defesa do réu contra decisão da Juíza de Direito, Naira Melkis Pereira Caminha, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Bagé, que havia indeferido o pedido de inclusão, nos autos, da vida pregressa das vítimas. A defesa alegou afronta ao princípio da plenitude de defesa e desequilíbrio entre acusação e defesa, uma vez que o Ministério Público teve deferida a juntada dos antecedentes do acusado. Subsidiariamente, requereu a exclusão desses documentos ou a vedação de sua utilização em plenário.
O caso envolve denúncia de que o réu teria efetuado disparos de arma de fogo contra o atual namorado de sua ex-companheira, causando-lhe ferimentos graves, e, em seguida, tentado matar a mulher, o que não se consumou em razão de falha da arma. Após o episódio, ela ainda teria sido agredida fisicamente. Conforme a acusação, os crimes foram motivados pela inconformidade do término do relacionamento e ocorreram no contexto de violência doméstica.
Decisão
Ao analisar o caso, a relatora destacou que o artigo 474-A do Código de Processo Penal impõe ao Juiz Presidente do Tribunal do Júri o dever de zelar pela dignidade da vítima, vedando manifestações sobre elementos alheios aos fatos em julgamento. Segundo a magistrada, a defesa não demonstrou qualquer pertinência entre os antecedentes das vítimas e os fatos narrados na denúncia, o que tornaria a medida inadequada e potencialmente ofensiva à dignidade da pessoa humana.
A Desembargadora também ressaltou que o processo envolve crimes praticados em contexto de violência de gênero, o que exige a aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Destacou, ainda, que a violência de gênero decorre de fatores materiais, culturais, ideológicos e de relações de poder e dominação.
“Como bem destacado no Protocolo de Julgamento produzido pelo CNJ, a violência de gênero ocorre em todos os ambientes, recomendando que magistradas e magistrados que julgam com perspectiva de gênero se atentem a essas desigualdades que operam no mundo real para alcançarem resultados protetivos e emancipatórios”, pontuou a magistrada.
Para a relatora, a exposição da vida pregressa das vítimas, sem vínculo com a apuração, poderia gerar revitimização secundária e configurar violência institucional, em desacordo com a Constituição e com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Por outro lado, o colegiado entendeu que a juntada dos antecedentes do réu é admissível para fins meramente informativos, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do próprio TJRS. Contudo, fixou vedação expressa à utilização desses dados como argumento de autoridade nos debates em Plenário do Júri, preservando a paridade de armas entre acusação e defesa.
Seguiram o voto da relatora o Desembargador José Conrado Kurtz de Souza e o Juiz de Direito convocado Orlando Faccini Neto.
22 de dezembro
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