Um recurso apresentado por um plano de saúde foi negado de forma unânime pelos desembargadores da Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). A ação foi movida por uma beneficiária, que buscava o custeio do tratamento de Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) para depressão grave e fibromialgia, mesmo não estando no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O tribunal negou provimento ao recurso, mantendo a obrigação de cobertura do tratamento, fundamentando-se na Lei nº 14.454/2022 e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que admite a cobertura excepcional de tratamentos não listados quando há eficácia comprovada e inexistência de substituto terapêutico eficaz.
Além disso, a Corte confirmou a multa de R$ 20 mil por descumprimento de ordem judicial liminar, argumentando que a discussão sobre o descumprimento deveria ter sido feita por meio de recurso próprio.
Busca de cobertura
A beneficiária ajuizou a Ação de Obrigação de Fazer após o plano negar a cobertura do tratamento de EMT. A operadora de saúde justificava a negativa alegando que o procedimento não constava no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar da ANS, conforme a Resolução Normativa nº 465/2021.
A paciente, que possui um quadro clínico grave, incluindo histórico de pensamento suicida e ineficácia de diversos tratamentos convencionais (como Pregabalina, Canabidiol e Anticonvulsivantes), teve o tratamento de EMT prescrito pelo médico psiquiatra que a acompanha como a única opção viável. O profissional ainda fez ressalvas de que o atraso poderia causar danos irreversíveis à saúde mental.
Ao analisar o mérito, o Tribunal confirmou a obrigação da operadora de saúde de custear a Estimulação Magnética Transcraniana. A decisão baseou-se na interpretação atualizada da Lei nº 9.656/1998, alterada pela Lei nº 14.454/2022, e no entendimento consolidado do STJ.
O Tribunal determinou que, embora o Rol da ANS seja, em regra, taxativo, a cobertura de procedimentos extra rol é admitida excepcionalmente quando preenchidos os seguintes critérios específicos:
Eficácia comprovada: o tratamento deve ter comprovação de eficácia à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas. O STJ já assentou que a EMT atende a esse requisito.
Recomendação de órgãos técnicos: a EMT possui respaldo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) e do Conselho Federal de Medicina (Res. CFM nº 2.057/2013).
Inexistência de substituto: foi comprovado que os tratamentos convencionais foram ineficazes, não existindo um substituto terapêutico eficaz já incorporado ao rol.
A negativa do plano, portanto, foi considerada indevida no caso concreto, visto que o procedimento de EMT preencheu todos os requisitos legais e jurisprudenciais de excepcionalidade.
Multa por descumprimento judicial
Outro ponto central da apelação do plano de saúde era a impugnação da multa de R$ 20 mil, aplicada por descumprimento da liminar. Inicialmente, o juiz da 10ª Vara Cível de Cuiabá havia determinado o custeio de 30 sessões de EMT em 48 horas, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, limitada a R$ 20mil.
O Tribunal confirmou o pagamento integral da multa máxima, estabelecendo que houve descumprimento incontroverso da ordem liminar. A operadora foi intimada em outubro e novembro de 2024, mas os pagamentos referentes ao custeio do tratamento só ocorreram em dezembro do mesmo ano.
A tese de julgamento firmada pela Câmara estabeleceu que a multa por descumprimento de decisão liminar é válida quando demonstrado que a ordem judicial não foi cumprida no prazo fixado, sendo irrelevante a alegação posterior de adimplemento tardio.
Além disso, a desembargadora relatora Clarice Claudino da Silva destacou que o plano deveria ter recorrido da decisão que aplicou a multa por meio de Agravo de Instrumento. Como a operadora não o fez, houve a preclusão da matéria, não cabendo sua revisão em sede de Apelação Cível.
O acórdão final negou provimento ao recurso e ainda majorou os honorários advocatícios sucumbenciais para 20% do valor da condenação.
Processo: 1026669-30.2024.8.11.0041
Diário de Justiça Eletrônico Nacional – CNJ – MT
Data de Disponibilização: 27/10/2025
Data de Publicação: 27/10/2025
Região:
Página: 11235
Número do Processo: 1072918-28.2025.8.11.0001
TJMT – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO – DJEN
Processo: 1072918-28.2025.8.11.0001 Órgão: 6º Juizado Especial Cível de Cuiabá Data de disponibilização: 24/10/2025 Classe: Procedimento do Juizado Especial Cível Tipo de comunicação: Intimação Meio: Diário de Justiça Eletrônico Nacional Parte(s): KAROLINE DE VARGAS MARCELO X UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, Advogado(s): JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY OAB 6735-O MT LARYSSA CAROLINA ARAÚJO DE FRANÇA OAB 15585-N MT
Conteúdo: ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 6º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE CUIABÁ
DECISÃO
Processo: 1072918-28.2025.8.11.0001.
AUTOR: KAROLINE DE VARGAS MARCELO
RÉU: UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO
Vistos. Trata-se de demanda ajuizada por KAROLINE DE VARGAS MARCELO em desfavor de UNIMED CUIABÁ – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, ambas devidamente qualificadas. A parte reclamante requer, em sede de tutela de urgência, a autorização/cobertura do tratamento “DE ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA”. É O BREVE RELATÓRIO. DECIDO. Inicialmente, recebo a emenda da exordial. Acerca do pedido de tutela de urgência, o CPC vigente dedicou um Título à chamada “Tutela Provisória” (arts. 294 a 311), comportando as espécies “Tutela de Urgência” e “Tutela de Evidência”. Segundo Cassio Scarpinella Bueno: “A concessão da Tutela Provisória de Urgência pressupõe: a) probabilidade do direito e b) perigo de dano ou o risco do resultado útil do processo (art. 300, caput). O magistrado pode exigir prestação de caução dos danos a serem suportados pelo requerido, ressalvada, expressamente, a situação do hipossuficiente economicamente (art. 300, § 1º)” (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 24) (negrito nosso). Portanto, os requisitos para a concessão da tutela de urgência estão previstos no art. 300 do CPC, quais sejam: probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Compulsando os autos, é possível verificar que a parte reclamante é dependente do plano de saúde ofertado pela parte reclamada no Id. 212450978 e que fora diagnosticada com transtorno ansioso, sendo indicado o tratamento com “ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA”, conforme Id. 212450986. Já o documento de Id. 212450980 revela que a Cooperativa demandada indeferiu a cobertura do procedimento por não possuir cobertura obrigatória pelo Rol da ANS. Nesse passo, o tratamento fora proposto pelo(s) médico(s) da parte reclamante, conforme os aludidos documentos. Então, depara-se com caso em que médico especialista recomenda determinado tratamento e, bem por isso, é de assegurar ao beneficiário do plano de saúde o que lhe fora apresentado como essencial para debelar a sua enfermidade. Aliás, a liberação/autorização de um procedimento, inclusive indicado por médico especialista, não pode ser limitada aos casos em que a Agência Nacional de Saúde prevê cobertura obrigatória, vejamos: “DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO NÃO INCLUÍDO NO ROL DA ANS. ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA PARA DEPRESSÃO GRAVE E FIBROMIALGIA. COBERTURA OBRIGATÓRIA DIANTE DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. RECURSO DESPROVIDO. […] 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é obrigatória a cobertura do tratamento de Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) por plano de saúde mesmo não previsto no rol da ANS; e (ii) estabelecer se é válida a imposição de multa por descumprimento de decisão liminar. iii. razões de decidir 3. A cobertura de tratamento fora do rol da ANS é admitida, excepcionalmente, conforme entendimento consolidado do STJ (EREsp n. 1.886.929/SP), desde que observados os critérios de inexistência de tratamento substitutivo eficaz, comprovação científica da eficácia do procedimento e recomendação de órgãos técnicos como a CONITEC ou entidades estrangeiras de renome. 4. A Lei nº 14.454/2022 alterou a Lei nº 9.656/1998 para admitir a obrigatoriedade de cobertura de tratamentos não listados no rol da ANS quando houver comprovação de eficácia baseada em evidências e recomendação técnica especializada, critérios preenchidos no caso concreto. 5. A Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) possui respaldo da CONITEC, do Conselho Federal de Medicina (Res. CFM nº 2.057/2013) e foi indicada como única opção viável no caso da paciente, conforme laudo médico. 6. A negativa de cobertura contratual baseada apenas na ausência de previsão no rol da ANS é indevida quando o tratamento atende aos requisitos legais e jurisprudenciais excepcionais. 7. A discussão quanto à existência ou não de descumprimento da liminar deveria ter sido objeto de recurso próprio (agravo de instrumento), não cabendo ser revista em sede de apelação sem impugnação tempestiva da decisão anterior. iv. dispositivo e tese 10. Recurso desprovido. Tese de julgamento: “1. A operadora de plano de saúde deve custear tratamento não previsto no rol da ANS quando comprovada sua eficácia à luz da medicina baseada em evidências, inexistência de substituto terapêutico eficaz e recomendação de órgãos técnicos nacionais ou estrangeiros. 2. A multa por descumprimento de decisão liminar é válida quando demonstrado que a ordem judicial não foi cumprida no prazo fixado, sendo irrelevante a alegação posterior de adimplemento tardio. 3. A impugnação à decisão que definiu o descumprimento da liminar deve ser feita por meio de recurso próprio, sob pena de preclusão.” (TJMT – N.U 1026669-30.2024.8.11.0041, Câmaras Isoladas Cíveis de Direito Privado, Clarice Claudino da Silva, Primeira Câmara de Direito Privado, julgado em 25/09/2025, publicado no DJE 25/09/2025). Já o perigo de dano é ínsito a situações como a ora apreciada, mormente porque esperar o tempo de tramitação normal do feito não se coaduna com a enfermidade descrita nos autos. Posto isso, concedo a liminar pretendida para determinar que a parte reclamada autorize, no prazo de 07 dias, o “TRATAMENTO DE ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA”, nos moldes de sua prescrição médica de Id. 212450986, sob pena de bloqueio de valores. Serve a presente decisão como ofício, a ser cumprido em regime de plantão, inclusive. Aguarde-se a audiência de conciliação já designada nos autos. Intimem-se. Às providências. Cuiabá/MT, data da assinatura.
FLÁVIO MALDONADO DE BARROS
Juiz de Direito
5 de dezembro
5 de dezembro
5 de dezembro
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