Teorias sobre a natureza jurídica do casamento

Exposição de várias teorias a respeito da natureza jurídica do casamento: instituição, contrato, contrato de direito de família, ato-condição, ato complexo, ato de natureza institucional, ato jurídico, negócio jurídico, etc.

Vicente Lentini Plantullo

1.INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é analisar em profundidade, segundo o ponto de vista de alguns doutrinadores de peso, se o casamento em sua forma pertencente ao ordenamento jurídico é instituição, contrato de Direito de Família, etc.

Para tal, faz-se mister que analisemos primeiramente todo o arcabouço pertinente ao casamento desde os tempos do Império Romano.

2.O CASAMENTO NO DIREITO ROMANO: O CONFARREATIO, A COEMPTIO E O USUS

Cabe destacar que o casamento, união entre dois seres humanos de diferentes sexos, aptos a procriarem e unirem seus respectivos bens materiais e esforços durante a sua validade, sempre teve, como corner stone , o cunho religioso, representado que era pelo fogo sagrado e com o objetivo de perpetuar a espécie. Crescei e multiplicai, ressalta a Bíblia Sagrada.

Posto isto, cabe destacar o domínio exercido pelos patriarcas nos tempos do império: o casamento cum manu, em que o poder paterno era transmitido ao marido que teria um poder imenso sobre a mulher e o sine manu, em que a mulher era emancipada pelo marido.

Neste ponto é importante destacarmos as diferenças entre o confarreatio, a coemptio e o usus. O confarreatio, refere-se ao casamento entre patrícios, sendo um ato sacramental, solene, a ser testemunhado por dez pessoas, para agradar ao Deus Romano Júpiter e gerar bons e poderosos fluídos aos nubentes. Já o coemptio era o casamento dos plebeus, em que ocorria a venda simbólica da mulher pelo pai ao marido e o quesito necessário era que a mulher efetivamente se casasse. No terceiro caso, o usus, definido como posse ininterrupta da mulher durante o intervalo de tempo de um ano trazia uma dimensão primitiva ao fato, porque um ser humano era considerado como simples res, coisa. E é importante salientar que o homem detinha usucapião da mulher, que para deste se livrar, deveria dormir 3(três) noites consecutivas fora do lar e, logo após voltar para casa. Porém, esse usucapião seria novamente contado em um novo prazo temporal.

3.A CAMINHO DA MODERNIDADE: O CONCÍLIO DE TRENTO, AS ORDENAÇÕES AFONSINAS, MANUELINAS E FILIPINAS E O DECRETO-LEI BRASILEIRO NÚMERO 181 DE 24/01/1890, O CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 1916, A LEI 6.015/73 E A LEI 6.515/77, ALÉM DE OUTRAS CONSIDERAÇÕES PERTINENTES

O Concílio de Trento entre 1545 e 1563 realizou tarefas de suma importância no que tange ao assunto em epígrafe. Estabeleceu as regras, normas, padrões e procedimentos pertinentes aos documentos necessários ao casamento. Definiram-se as formas de celebração e estabeleceram-se os impedimentos matrimoniais de uma forma mais rígida do que os colocados pelos Códigos de Leis daquela época.

No caso do Brasil, colônia portuguesa influenciada pelas ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, todo o conteúdo criado pelo Concílio de Trento foi lhes repassado de forma inconteste. Por volta de 1888, começa a ocorrer no Brasil o grande cisma entre Igreja e Estado, elemento este que mantém-se ativo até os dias atuais. Em 24 de janeiro de 1890, o recém-nascido Governo Republicano do Marechal Deodoro da Fonseca, edita o Decreto-lei número 181, separando o casamento puramente religioso ou ilegal, ao que a igreja católica rebateu afirmando ser o casamento civil, apenas e tão somente imoral.

De 1890 a 1916, a situação mantinha-se em amplo impasse, ou seja, sempre a dicotomia entre ilegalidade e imoralidade. Entretanto, enfatizava o Governo do Brasil que o casamento seria considerado válido se celebrado na forma civil, com o que não concordavam os religiosos. O Código Civil Brasileiro de 1916 estabeleceu uma espécie de regramento mais refinado das relações matrimoniais e as Constituições Federais de 1934, em pleno período ditatorial, e a de 1946 em pleno período pós II Grande Guerra Mundial, estabeleceram um precedente, ao terem admitido um casamento religioso com efeitos civis.

Uma maior consistência ao sistema matrimonial surgiu somente em 1973 com a Lei número 6.015, que dispunha sobre as normas e regras cartorárias a respeito do casamento, por meio da Lei dos Registros Públicos. Enfatizava esta lei a escrituração, a ordem de serviço, a publicidade, conservação dos documentos, responsabilidade, necessidade de documentos para registro do nascimento, casamento, morte, além de penalidades cabíveis em cada caso, de não cumprimento das obrigações de fazer, etc.. Também enfatizou, com propriedade, o registro do casamento religioso para efeitos civis, o casamento em iminente risco de vida, emancipação, interdição e ausência, averbação de casamento, dentre outras medidas cabíveis importantes.

Um pouco mais tarde, em 1977, o senador Nélson Carneiro conseguiu obter, no Congresso Nacional, a maioria da votação para aprovar a Lei do Divórcio, muito embora isto tenha causado a reação dos setores mais conservadores da igreja. O problema é que esta lei estabelecia a dissolução do vínculo da sociedade conjugal, idéia esta que ia frontalmente contra os princípios da Igreja Católica.

Caminhando um pouco mais na linha do tempo, a Constituição Federal de 05.10.88 procurou consolidar os princípios lançados pela lei 6.515/77 e passou a tratar os filhos fora das relações matrimoniais como filhos verdadeiramente legítimos ou simplesmente filhos. Desaparece a nomenclatura preconceituosa e pecaminosa de filhos legítimos, filhos ilegítimos, filhos adulterinos, filhos espúrios. Todos são filhos.

Um outro importante avanço neste sentido foi dado pela Lei número 8.069 de 13/07/1990, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA), substituindo o vexatório Código de Menores.

Outros avanços significativos na busca da construção de uma sociedade mais justa e solidária foram dados: Lei 8.560, de 29/12/1992 sobre a investigação de paternidade, a Lei 8.935, de 18/11/1994, sobre a regulamentação progressiva dos serviços notariais e de registro, a Lei 8.971, de 29/12/1994, protegendo os direitos dos companheiros(as) a alimentos e sucessão, dentre outros diversos institutos pertinentes a uma época mais plausível com a era digital-neural-pós-neural.

Como se percebe, o objetivo deste grande conjunto de leis é procurar flexibilizar o casamento, ofertando à sociedade uma maior liberdade com responsabilidade. Tudo isto vem de encontro a um Estado pronto a enfrentar os desafios de uma era digital-neural globalizada. Globalizada, mas com justiça social e respeito. Não podemos voltar à barbárie que caracterizou grande parte da história da civilização.

4.UMA PRIMEIRA DEFINIÇÃO DE CASAMENTO

Segundo WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO , o casamento pode ser compreendido como sendo a “união permanente do homem e da mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos”. Analisemos mais detidamente tal definição. O autor coloca o casamento como sendo a união permanente. mostra sinais de desintegração. O conceito de acordo com a lei ou de acordo com os preceitos legais evidencia a separação entre o Estado e a Igreja brasileiros, separação esta que se iniciou em 1888. Por outro lado, o trecho final da definição encampa os conceitos de fides, proles e sacramentum, muito bem, estigmatizados pelo filósofo SANTO AGOSTINHO. É quase impossível dissociarmos da definição de casamento o terreno, patrimonial e o divino.

Claro que outros autores procuram colocar em outras definições os seus respectivos pontos de vista. Senão vejamos:

a)Segundo MODESTINO . O casamento seria a conjugação do homem e da mulher, que se associam para toda a vida, a comunhão do direito divino e do direito humano. Esta definição está totalmente ultrapassada;

b)Já para PORTALIS , o casamento é a sociedade do homem e da mulher, que se unem para perpetuar a espécie, para ajudar-se mediante socorros mútuos a carregar o peso da vida, e para compartilhar seu comum destino;

c)Para LAURENT o casamento seria o alicerce da sociedade, a pilastra da moralidade pública e privada;

d)No entanto, GÖETHE afirmava que o matrimônio seria uma forma de coroar toda uma cultura;

e)Para o filósofo pessimista alemão SCHOPENHAUER , o casamento seria extremamente oneroso porque 50% dos direitos seriam perdidos e 100% dos deveres seriam acrescidos;

f)Curiosa, porém com um grande fundo de verdade é a definição de LOCKERIDGE onde o casamento seria a “kind of funeral in which we bury a part of ourselves”, revealing a fierce and huge pessimistic and traumatic point of view. Probably this writer had suffered a lot when he was a child, presencing lots of quarrels between his father and mother(Nota dos autores);

Finalmente, quanto a KANT , acreditava que o casamento não se deveria realizar, uma vez que isto implicaria em uma obrigação de manter relações sexuais que, segundo ele, enfraqueceriam a energia vital do ser humano. KANT faleceu virgem, segundo alguns historiadores.

5.UMA DISTINÇÃO FUNDAMENTAL ENTRE FENÔMENO, FATO E ATO

Fundamental faz-se esta distinção. Por fenômeno, podemos compreender tudo aquilo que acontece na natureza sem intervenção do homem. Por fato, podemos refletir como sendo tudo aquilo que ocorre na natureza e que tem direto impacto sobre o ser humano. Em outras palavras, é o ser humano que executa certos atos. Finalmente, no terceiro caso, atos são realizados pelos seres humanos por sua livre e espontânea vontade. No terceiro caso há o elemento volitivo. Ora, o casamento é um ato jurídico volitivo em que há a junção de corpos, almas, patrimônio entre duas pessoas de diferentes sexos com o objetivo de procriarem, adotarem pessoas, prestarem mútua assistência material, patrimonial, psicológica e deterem não só as bênçãos de Deus, mas também de poderem criar seus descendentes no caminho reto, direito, justo, buscando honest vivere e dar a cada um o que é seu.

6.APROFUNDAMENTO DO CONCEITO DE CASAMENTO

Há diversas definições de casamento. Nosso intuito é procurar expô-las e dissecá-las. O casamento é um ato jurídico solene pelo qual duas pessoas se unem sob as formalidades da lei, de sorte a criarem uma família, daí advindo efeitos jurídicos pessoais e patrimoniais.

Pode também o casamento ser entendido como uma convenção social, sendo a família um fato decorrente e natural, daí advindo.

Destarte, observemos que o casamento reveste-se de considerações pertinentes à ordem pública e privada, reveste-se do belo, do divino e do sacrossanto, mas também reveste-se do patrimonial, do argentário, da cobiça, da usura e da ambição. Bem é verdade que os casamentos atuais têm se esfacelado na maledicência, no paganismo e na prodigalidade da moral profana de desejos ambiciosos, traições, contaminações venéreas, desvios e distúrbios sexuais, transsexuais e outros. Tudo isto tem solapado a base familiar, célula máter de qualquer Estado soberano e, juntamente com o fenômeno perverso da exclusão social globalizada, testemunhamos o despertar das vinhas da ira do islamismo contra o judaísmo e o cristianismo. Tudo isto convulciona a sociedade como um todo.

Posto isto, o casamento tem, como fim objeto em si mesmo a procriação e a educação justa, correta, séria e honesta da prole; o auxílio-mútuo; o solidarismo; a legalização das relações sexuais, bem como o seu regramento. Contudo, uma pergunta se impõe: será que os impulsos eróticos podem ser regrados? Acreditamos que não e isto é uma espécie de corner stone da instituição milenar chamada casamento. Acreditamos que, com educação de base, liberdade e responsabilidade possamos tornar este conjunto de variáveis, senão controlável, pelo menos incrivelmente menos caótico.

É assaz importante salientar também que não há mais distinções e discriminações entre filhos.

Todos os filhos são legítimos a partir da tônica da Constituição Federal de 05/10/88 que procura seguir mais de perto los ideales de la Revolución Francesa embasados em Liberté, Egalité et Fraternité(Nota dos autores).

7.UMA PRIMEIRA ANÁLISE DA NATUREZA JURÍDICA DO CASAMENTO

De uma maneira geral, há três grandes teorias procuram explicar a natureza jurídica do casamento: a contratualista a institucionalista e a eclética.

Analisemo-las pois. No caso contratualista, o casamento seria comparável a um contrato, ou seja, um trato, um pactum conjunto entre duas pessoas de sexos diferentes, equiparável ao direito obrigacional , em que caberia a cada qual ser pólo passivo e/ou ativo em determinadas situações. É evidente que esta teoria, desprovida da bênção sacrossanta, não poderia vingar no Direito Brasileiro. Entretanto, nos EUA há verdadeiras legiões de advogados, especialistas que são, em redigir contratos pré e nupciais, chegando mesmo alguns a estabelecer o número de vezes que o casal deve ter relações semanais. É extremamente maquinal, basilar, argentário. Lembra-nos o contraste entre o Ser e o Nada, mais pendente para o segundo caso. Também pouco nos lembra de meditação do Zein und Die Zien, de HEIDEGGER.

Já no caso institucionalista os pólos revestem-se de um colorido especial. É a representação dos velhos deuses romanos. Trata-se da união sagrada do homem e da mulher. É uma instituição que nasce com o pleno, real, geral e irrestrito consentimento dos nubentes para o enlace matrimonial, instituição secular. Por meio da criação deste poderoso instrumento de perpetuação da espécie consolida-se o ser humano por meio da criação de seus descendentes. É fundamental ressaltar que a instituição transcende aos limites dela própria, constituindo as bases de todo o Estado Moderno e Soberano. Observemos destarte que, muito embora as normas da instituição matrimonial sejam de ordem eminentemente pública (veja-se o Princípio da Publicidade), a esfera privada manifesta-se de forma incontestável.

Finalmente, a Teoria Eclética é uma mistura das Teorias Contratualista e Institucional. Trata-se de uma teoria mais robusta, forte, pungente porque abrange não só os aspectos argentários, mas também os religiosos e espirituais. É a mais aceita teoria em nosso direito e ordenamento jurídicos.

8.ALGUMAS CRÍTICAS ÀS TEORIAS DO CASAMENTO

Divergem nossos magistrais autores. Enquanto CLÓVIS BEVILÁQUA, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, MARIA HELENA DINIZ advogam a natureza institucional e o Estado, impondo as regras de forma eminentemente inderrogável, outros admitem a teoria contratualista e vence o festejado SÍLVIO RODRIGUES com a sua teoria eclética e ele é fortemente categórico : “o casamento é um contrato em sua formação e é uma instituição em sua duração”.

Entretanto, cabe-nos destacar que os festejados autores pertencem a um tempo que já vai longe. No tempo moderno e atual, torna-se necessário reformular tal e qual conceito. A isto voltaremos adiante.

9.UM ESTUDO MAIS APROFUNDADO DAS DEFINIÇÕES PERTINENTES

Neste item, procuramos definir os seguintes conceitos: instituição, contrato, Direito de Família, ato-condição, ato complexo, ato institucional, ato jurídico e negócio jurídico para que possamos ter condições de argumentar a respeito do tópico em epígrafe.

Para tal, utilizamos definições de dicionários, vademecuns e vocabulário jurídico.

9.1.INSTITUIÇÃO: segundo AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA , instituição é o ato de “instituir, criação, estabelecimento”. Também pode, para nossos propósitos, ser entendida sociologicamente como “a estrutura decorrente de necessidades sociais básicas, com caráter de relativa permanência, e identificável pelo valor de seus códigos de conduta, alguns deles expressos em leis”. Vejamos que a definição caracteriza o conceito de relativa permanência e o casamento o é. Também menciona o autor, o conceito de valor de seus códigos de conduta, em que fica claro o regramento da instituição casamento.

Por outro lado, para DE PLÁCIDO E SILVA , a referida instituição exprime a “criação ou a constituição de alguma coisa, que se personaliza, segundo plano ou bases preestabelecidas, isto é, sob imposição de regras, que passam a rege-las, enquanto existente”. Vejamos que a segunda definição se coaduna com a primeira, cujo ponto em comum, convergente, repousa no conjunto de regras estabelecidas pelo próprio ordenamento jurídico brasileiro.

9.2.CONTRATO: De acordo com HOLANDA FERREIRA , contrato é o “acordo entre duas ou mais pessoas que transferem entre si algum direito ou se sujeitam a alguma obrigação”. Como o casamento é um contrato, um acordo conjunto, entre duas pessoas pode também ser chamado de sinalagmático. A partir desta definição percebe-se a transferência de mútuos direitos e deveres para ambos os cônjuges. Entretanto, não podemos nos olvidar de que se trata de uma relação também institucional e, principalmente religiosa.

Por outro lado, para o festejado autor, MARCUS CLÁUDIO ACQUAVIVA , contrato é o “acordo de vontade entre duas ou mais pessoas, sobre objeto lícito e possível, com o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”.

Claro está que esta definição reveste-se de um rigorismo jurídico quando o autor menciona objeto lícito e possível e toda a criação, modificação, resguardo ou extinção (distrato, divórcio, separação) desses direitos.

Analisando outro autor, ANDRÉ LALANDE coloca que o contrato é “uma forma de convenção pela qual uma ou várias pessoas se comprometem em relação a uma ou várias outras a dar, a fazer, ou a não fazer, alguma coisa”. É interessante notar que o contrato permeia uma convenção, uma forte promessa de que algo deve ser cumprido. Estabelecem-se direitos, deveres e obrigações. Cabe aqui também refletir que no contrato, cada um de nós coloca uma espécie de potência, vontade, ato sob a suprema direção da vontade geral, o que nos faz inferir que o casamento seja uma forma de subordinação da vontade dos nubentes a uma ordem maior, o próprio ordenamento jurídico em si.

Finalmente, para DE PLÁCIDO E SILVA o contrato seria um ajuste, uma convenção, um acordo, uma transação em que ambas ou mais partes envolvidas assumem os três grandes tipos de obrigações: dar, fazer e não-fazer. Há coisas no casamento que devem ser feitas como realizar esforços comuns; coisas que devem ser dadas …; e coisas que não devem deixar de serem realizadas como a prestação de alimentos a filho(a) menor púbere ou impúbere e assim por diante.

9.3.DIREITO DE FAMÍLIA: para HOLANDA FERREIRA , o Direito Civil é o “conjunto de normas reguladoras dos direitos e obrigações de ordem privada atinentes às pessoas, aos bens e às suas relações”. Evidentemente que o Direito de Família é uma subdivisão do Direito Civil regrando as relações entre homem e mulher que se unem para prestarem assistência mútua, ter descendentes e serem por isto devidamente abençoados. O interessante é que todo este conjunto de relações envolve as partes pessoais de cada qual e as suas partes patrimoniais as well.

Por outro lado, DE PLÁCIDO E SILVA argue que o Direito de Família “compreende as regras, que resultam do regular das relações de família, notadamente no que se refere às pessoas nas questões de estado e capacidade, na reciprocidade de direitos e deveres, que surgem do parentesco havido entre elas, ou dos contratos, fatos e atos, subordinados às mesmas relações”. Vejamos que alguns elementos comuns reproduzem-se: regras, relações, pessoas, estado, capacidade, direitos, deveres, parentesco, contrato, etc. Todo este conjunto de definições pertinentes nos leva a crer que o direito de família é um conjunto complexo e dinâmico de fatos e atos pertinentes às pessoas, mas também envolvendo o aspecto patrimonial, que é indissociável.

Finalizando, segundo CLÓVIS BEVILÁQUA “direito de família é o complexo de normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, as relações entre pais e filhos, o vínculo de parentesco e os institutos complementares da tutela, curatela e ausência”.

9.4.ATO-CONDIÇÃO: Definamos a priori o que vem a ser ato. Para HOLANDA FERREIRA , ato pode ser “cerimônia, solenidade”, mas também pode ser definido como um “documento redigido segundo determinada fórmula e susceptível de produzir conseqüências jurídicas”. Clarifica a noção de que o ato é o reunir do concreto (documento) e do abstrato (cerimônia) o que, de certa forma se coaduna com os conceitos apresentados já a respeito da Teoria do Casamento.

Para MARCUS CLÁUDIO ACQUAVIVA , ato deve ser entendido em sua forma, arcabouço, exegese e arquétipo jurídicos, ou seja, é “todo ato jurídico lícito, que tenha por finalidade adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos”. Vejamos que o autor procura salientar a licitude ou não vedação pela lei, permitido pois. Também salienta todos os elementos concernentes ao poderoso arcabouço jurídico. Esta definição serve de suporte ao analisarmos o ato e negócio jurídicos. Para o festejado autor o ato-condição também é um ato jurídico, porém exige uma condição necessária para que a lei possa ser aplicada, ou seja, pressupõe um imperativo fictício, hipotético, dependente da realização de certos atos e fatos. É importante salientar que o casamento assim considerado como ato-condição depende da manifestação da vontade, do consentimento, do querer dentro de uma esfera legal que tenha por objeto colocar o indivíduo e no caso, mais de um numa situação sob as ordens jurídicas e regular o exercício de um determinado poder.

Vejamos que é necessário, fundamental, mister que indivíduos se casem para terem direito a entrar no campo do Direito de Família/Matrimonial para estarem sujeitos ao ordenamento jurídico pertinente. Atualmente, a lei tem reconhecido o casamento nas suas mais diversas modalidades, fruto de uma evolução humana ao longo dos tempos. De qualquer forma, vale a máxima : “Dêem-me os fatos e eu lhes dou o Direito”, ou seja, é a ordem, o regramento a ser cumprido.

Finalmente, para DE PLÁCIDO E SILVA , o ato indica “toda ação resultante da manifestação da vontade ou promovida pela vontade da pessoa. É tudo que acontece por vontade de alguém”. Logicamente que o ato-condição depende de um certo elemento fictício de ocorrência para que entre no mundo jurídico a ele pertinente. E, no caso do casamento, todo o conjunto de normas puras, padrões e procedimentos comandam a sua atuação.

9.5.ATO COMPLEXO: Segundo DE PLÁCIDO E SILVA , ato complexo é “o ato jurídico que resulta de deliberação coletiva de interesse comum ou de negócio coletivo, na qual se manifestam as vontades, em harmonia, para o fim de ser constituída uma sociedade ou se determinar qualquer medida em proveito dela”. Observamos que, no casamento, há uma aceitação perante a comunidade, perante todos daquela situação de fato que, por preencher certos requisitos, adentra-se ao mundo jurídico. Vejamos também que há – E Deve Haver – a manifestação livre da vontade dos nubentes para que o ato se consuma, sendo nulo, de pleno direito, o ato que contenha vícios da vontade, dolo, fraude, simulação, etc. Também o autor procurar mencionar o tirar proveito dessa sociedade, ou seja, está admitindo as vantagens competitivas daí advindas, advindas do clã, da família, da numerosidade de membros a ela pertencentes, etc.

9.6.ATO INSTITUCIONAL: Para HOLANDA FERREIRA ato institucional é uma “declaração solene, estatuto ou regulamento baixado pelo governo”. Observemos que o casamento em sendo considerado como ato institucional detém a importância de um ato de perpetuação do Estado, levando em consideração a paridade que existe entre o casamento e a sua proteção exercida por um governo. Isto reflete os próprios antigos conceitos de expansão dos Estados, por meio do aumento de população. De qualquer forma é um conceito a mais a respeito da Teoria do Casamento.

Analisando este mesmo conceito sob o ponto de vista de DE PLÁCIDO E SILVA , temos que o ato institucional “significa o mesmo que ato constitutivo de uma sociedade”. É o que realmente ocorre no casamento.

9.7.NEGÓCIO JURÍDICO: Para MARCUS CLÁUDIO ACQUAVIVA , o negócio jurídico não pode se confundir, modernamente, com o ato jurídico. Segundo os pandectistas alemães, negócios jurídicos e os atos jurídicos são coisas completamente diferentes. Há inclusive correntes que fazem a correta distinção entre fatos jurídicos strictu sensu, atos jurídicos strictu sensu e negócios jurídicos. Parece-me que o ato jurídico pode melhor ser definido como toda manifestação de vontade que produza conseqüências jurídicas e o Negócio Jurídico seria uma manifestação de vontade destinada a produzir conseqüências jurídicas. Parece-nos, então que o Negócio Jurídico é mais restrito do que o ato jurídico porque seu fim é mais determinado, mais convergente do que o anterior. É interessante perceber que o ato jurídico pode ser dividido em negocial e não-negocial, ao passo que o negócio jurídico, mais específico pressupõe negociabilidade. O casamento é um negócio jurídico porque há fusão de esforços que serão realizados ao longo de sua duração; é negócio jurídico porque o elemento patrimonialidade, argentário esta efetivamente presente. Entretanto, realizando-se o casamento, simultaneamente realizamos um negócio jurídico e um ato jurídico negocial, em que pese ser o casamento também polvilhado de relações pessoais.

Já para DE PLÁCIDO E SILVA , negócios jurídicos seriam “todos os fatos do homem que se vinculam à existência de um direito, e que podem ter por efeito vir criar uma nova relação jurídica, ampliar, conservar ou proteger um direito já existente”. Observemos que tal definição somente corrobora as anteriores.

10.CONCLUSÃO PROVISÓRIA

Com base no que foi pesquisado sobre a Teoria do Casamento, podemos concluir que é uma relação jurídica complexa e dinâmica basilarmente formada por uma instituição (ente abstrato) e um contrato (entre concreto) que a representa perante uma determinada comunidade e com efeitos e reflexos sobre aquele ordenamento jurídico em questão, porém não olvidando que a instituição casamento também é ato-condição, ato complexo, ato institucional, negócio jurídico, etc.

Finalmente, deste artigo podemos concluir que o casamento é uma instituição formada por um polvilhar de outros conceitos pertinentes ao mundo jurídico, refletindo exatamente a imagem metafórica da Caverna de Platão em que pouco a pouco as sombras transformam-se em claridade. O casamento é um pouco de tudo isto: uma ampla gama de conceitos matizados desde a cor preta, passando pela cinza e derivados, até atingir o branco. São relações jurídicas extremamente complexas.

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VICENTE LENTINI PLANTULLO é Doutor, Mestre, Especialista e Bacharel em Administração de Empresas pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e Bacharelando em Direito Comercial, Penal, Trabalhista e Tributário pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie. Também é professor universitário e consultor jurídico-empresarial em São Paulo.

E-Mail: vplentini@uol.com.br

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