Teletrabalho protege famílias de servidores da Justiça mineira

Com um filho de 5 anos de idade, que tem Síndrome de Down, e uma mãe de 85 anos, sofrendo com demência senil, a servidora Patricia Perrelli Doraciotto, da 4ª Vara Cível da Comarca de Santa Luzia, tentava equilibrar sua rotina como servidora pública com as demandas especiais de duas das pessoas mais importantes da vida dela. Mãe e filho estavam ali, diariamente, a exigir cuidados e afetos, com urgências que não podiam esperar. Mas havia o trabalho, com inúmeras demandas também, obrigando-a a se ausentar de casa várias horas por dia, a fim de cumprir sua jornada. Esse era o retrato da rotina dela, quando uma iniciativa no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) provocou em sua vida uma verdadeira reviravolta. Patrícia ouviu falar sobre o projeto-piloto do teletrabalho e conversou com o escrivão da 4ª Vara Cível da Comarca de Santa Luzia sobre seu interesse em participar da experiência. Como a servidora apresentava o perfil – entre outros pontos, ela domina o Processo Judicial eletrônico (PJe) –, foi indicada por ele para integrar o projeto, após também a anuência da juíza titular da vara. Desde fevereiro, ela atua como teletrabalhadora e, dentro de algumas semanas, parte para a Itália, de onde trabalhará para o Judiciário mineiro.

Divisor de águas

O teletrabalho significou, para a servidora, um divisor de águas. “Passei a poder dedicar ao meu filho muito mais tempo, e isso tem sido fundamental. Recentemente, fui chamada na escola dele e me perguntaram o que estava acontecendo com o Renan, pois ele apresentou um ganho de desenvolvimento muito grande nos últimos meses. E a explicação está no fato de que agora posso acompanhá-lo mais de perto, enquanto antes muitas tarefas eram feitas pela minha ajudante”, conta. A mãe da servidora não está em condições que lhe permitem dar um retorno sobre o significado da presença constante da filha, em casa. “No caso dela, quem pode relatar os benefícios dessa proximidade também sou eu, pois para mim tem sido muito mais tranquilo trabalhar com ela por perto, sabendo que estarei aqui se ela precisar. Antes isso era uma preocupação. Por isso, o teletrabalho, para mim, foi a solução perfeita”, afirma. Mas os ganhos do trabalho remoto não foram apenas para ela. Com 11 anos como servidora do Judiciário mineiro, Patrícia vive, no momento, o ápice de sua produtividade e também de sua satisfação com o trabalho. “Hoje, produzo quatro vezes mais do que quando estava na secretaria. Lembrando que já passou o período inicial do teletrabalho, quando estamos mais empolgados e a produtividade tende a ser maior. Em janeiro, ainda na secretaria, somando todas as atividades do PJe, eu tinha um total de 1.100 movimentações no mês. Fechei o mês de junho, que foi o quarto mês de teletrabalho, com mais de 4 mil movimentações, mesmo tendo horário especial em razão do Renan”, contou. Patrícia lembra que, na secretaria, os servidores são sempre muito requisitados no balcão, e ela estava sempre ajudando seus colegas e estagiários, algo que sempre gostou e fazia questão de fazer. “Também por isso, em casa a produtividade pode ser maior. No meu caso, criei a rotina de trabalhar todos os dias, exceto aos domingos, pois quero sempre ter crédito, mantendo a produtividade alta. Assim, quando acontece algo que me impede de trabalhar em algum dia, meu ritmo não cai”, explica.

Rumo à Itália

A revolução que o teletrabalho provocou na vida de Patrícia foi além. “Surgiu uma oportunidade de o meu marido trabalhar na região da Lombardia, na Itália. Estudei todas as legislações e jurisprudências sobre o tema, percebi que havia a possibilidade e entrei com o pedido”, conta. “Após um elaborado e humano parecer do juiz auxiliar da Presidência e coordenador do Projeto Experimental do Teletrabalho, Antonio Carlos Parreira, meu pedido foi submetido ao superintendente administrativo adjunto, desembargador Carlos Henrique Perpétuo Braga, que o aprovou e o encaminhou para a apreciação do presidente do Tribunal de Justiça”. Na semana passada, ela teve uma grata surpresa: o pedido dela foi deferido. Sem conhecidos morando atualmente na Itália, mas acompanhada de seus maiores tesouros – o marido Adriano, a mãe Iracy e os filhos Giovanni e Renan –, Patrícia partirá para viver naquele país entre o final do mês de agosto e meados de setembro. No momento, encontra-se plena de expectativas e de gratidão. “Meu marido teria de ir sozinho, e isso separaria nossa família. Sou grata ao TJMG, aos seus ilustres representantes, ao escrivão da minha secretaria, Silas José Gabrich, e à juíza Márcia Heloísa Silveira, que muito me apoiaram, ao Dr. Parreira, que se sensibilizou com minha situação e reconheceu minha capacidade de desenvolver meu trabalho com qualidade e alta produtividade, à distância”, declara.

Dimensão humana

O coordenador do Projeto Experimental do Teletrabalho, o juiz auxiliar da Presidência Antonio Carlos Parreira, avalia que o beneficiário final do teletrabalho são os cidadãos. “O teletrabalho representa um enorme benefício para a própria sociedade, quer no tocante à melhoria da prestação jurisdicional pelo aumento da produtividade e, consequentemente, da celeridade na solução dos litígios, quer no aspecto da economia financeira para o Estado com a melhoria da saúde dos servidores e a redução das licenças remuneradas por motivos de doença”, ressalta. Sobre a dimensão humana da experiência, o magistrado acredita que, além dos ganhos de tempo e dinheiro para os servidores e para os Tribunais, “o teletrabalho possui outro viés que nos é caro, pois diz respeito ao sentimento, que permite não somente preservar a unidade familiar nas situações em que os servidores são autorizados a acompanhar seus cônjuges ou companheiros, trabalhando remotamente de outras cidades, estados e países, como também assegura aos teletrabalhadores destinar mais tempo e atenção a familiares que necessitam de cuidados especiais, sem prejudicar o desempenho e a produtividade. Com isso, é possível fortalecer os vínculos afetivos, garantindo aos teletrabalhadores a paz de espírito necessária para desempenharem a contento suas atribuições, o que certamente não teriam se estivessem afastados de seus familiares”, avalia. São benefícios que, reconhece o juiz auxiliar, não podem ser mensurados em números. Mas os relatos dos servidores beneficiados pela iniciativa revelam um pouco da dimensão dos ganhos. O testemunho da servidora Patrícia é apenas uma parte do horizonte de possibilidades abertas pelo teletrabalho. “Posso afirmar: o teletrabalho melhorou minha qualidade de vida em 1000%. Mas o fundamental, pelo qual sou muito grata, é que ela permitiu a preservação da minha unidade familiar”, resume a servidora.

Quebra de paradigma

O projeto-piloto do teletrabalho é uma iniciativa que coloca o Tribunal mineiro na vanguarda das relações de trabalho, ao quebrar um sólido paradigma: a cultura da jornada, com ponto de entrada e saída do servidor registrado eletronicamente. Em seu lugar, entra a lógica do trabalho por produtividade, com base em metas previamente traçadas: o que importa não são as horas que o servidor disponibiliza para o Judiciário, ou o momento do dia em que realiza suas tarefas, mas a sua produção. No TJMG, o projeto-piloto foi inaugurado em abril de 2016, os teletrabalhadores atuam tendo como meta uma produtividade mínima superior em 20% àquela dos servidores que atuam presencialmente. O cumprimento da meta equivale ao cumprimento da jornada de trabalho, mantendo-se, portanto, o controle dela, e o contato de cada um dos teletrabalhadores com seus gestores é diário. A possibilidade do trabalho à distância, desenvolvido por meio remoto, da própria casa do servidor – ou de qualquer outro lugar onde ele estiver –, e sem uma jornada definida, surgiu com o processo eletrônico. Para a experiência-piloto, foram selecionadas quatro varas de Belo Horizonte e um grupo de servidores dos Juizados Especiais e da Segunda Instância, indicados por seus gestores, com base em seus perfis. Em agosto do ano passado, a experiência foi prolongada para durar mais 12 meses, contados a partir do dia 24 daquele mês. No momento, 42 servidores trabalham, de casa, em atividades relacionadas aos sistemas eletrônicos: 26 movimentam o PJe na Primeira Instância; 11, o Projudi, nos Juizados Especiais da capital; e 5 atuam na Segunda Instância – com o JPe, o Sistema SEI ou o Sistema Assistência Judiciária Gratuita (AJG). A maioria desses profissionais tem apresentado produtividade superior a 20%, se comparada à média do trabalho presencial. Há quatro teletrabalhadoras atuando fora do estado: uma no Espírito Santo, uma no Paraná, uma no Pará e uma no Ceará. E, em breve, uma servidora atuando do outro lado do Atlântico.     Fonte: www.cnj.jus.br




Publicado em: 14/07/2017