Quando uma reclamação reclama-a-ação do Supremo Tribunal Federal

Autor:  André Karam Trindade (*)

 

É sempre difícil definir o título de um texto, sobretudo quando há limitação de caracteres. Na verdade, a questão por detrás da pergunta-título é a seguinte: se a parte propõe reclamação perante o Supremo Tribunal Federal, mas, em razão da demora na sua apreciação, ela precisa manejar os recursos cabíveis, uma vez que os prazos são exaurientes, é possível que sua reclamação reste prejudicada? Ou melhor e de forma mais objetiva: o fato de, posteriormente, a parte exercer a ampla defesa por meio da interposição de recurso contra o ato que também deu azo à reclamação faz com que a reclamação fique prejudicada?

Penso que a resposta é negativa, especialmente quando se tratar de liberdades públicas. No caso, um bom exemplo disso é a reclamação interposta pela defesa do ex-Presidente Lula contra ato do TRF-4 que, contrariando posição do STF, determinou a execução antecipada da pena automaticamente. Com isso, o TRF-4 adotou a tese segundo a qual decisão condenatória do segundo grau “prende por si só”. O grande problema é que somente dois ministros do STF admitem essa hipótese.

Como se vê, o imbróglio é grande. Atualmente, a mesma matéria é objeto da Rcl 30.126, da ADC 54 e, ainda, dos recursos que a defesa de Lula interpôs. Despiciendo dizer que, se a Suprema Corte já tivesse julgado as ADC 43 e 44 e deixado clara a posição acerca da presunção de inocência, nada disso estaria acontecendo.

Imagine-se um réu qualquer que teve a sua prisão decretada com base em uma súmula que contraria decisão do STF. Imagine-se que essa súmula – cujo conteúdo seria idêntico ao da súmula 122 do TRF-4 – é produto de uma interpretação apressada e ad hoc que se funda em posicionamento assumido somente pelos ministros Fux e Barroso. Agora responda qual a legitimidade de uma prisão determinada com base na tese da automaticidade da execução antecipada da pena?

Sim, sei que o assunto está cansando. Mas as consequências jurídicas do imbróglio não podem cansar os constitucionalistas e processualistas. Quando um tribunal toma decisões que contrariam diretamente o entendimento de uma Corte superior, então cabe reclamação. A reclamação é uma ação cuja finalidade é, precisamente, para assegurar a autoridade de posição assumida pela Suprema Corte.

No caso do ex-presidente Lula, há uma agravante: além de levar a cabo o entendimento de que a condenação em segundo grau prende por si, o TRF-4 também não aguardou a publicação do acórdão que julgou os embargos de declaração — ou o exaurimento da jurisdição daquela Corte, seja diante da possibilidade de interposição de novos embargos, seja pela realização do exame de admissibilidade dos recursos dirigidos aos Tribunais Superiores. Essa situação contrariou  frontalmente aquilo que fora assegurado pela Presidente da Corte durante o julgamento do HC 152.752. Houve, desse modo, na verdade, a prisão automática, com base na tese endossada apenas por dois ministros, antes de o Tribunal de Apelação encerrar sua jurisdição.

A questão a saber é se o direito subjetivo à reclamação em um determinado momento processual pode ser considerado prejudicado, em razão da inércia do tribunal e necessidade de interposição de outros recursos. Esse é o ponto. A situação me parece tautológica: o tribunal demora para julgar a reclamação; o reclamante precisa interpor os recursos a que tem direito; e, com isso, ao exercitar a ampla defesa, sem dar qualquer causa a essa situação, o reclamante volta ao final da fila. É isso? O exercício da ampla defesa esvazia a reclamação? É claro que não. O exercício de uma garantia constitucional – no caso, a ampla defesa – jamais poderá prejudicar o réu e/ou reclamante. Portanto, tudo está a indicar que o prejuízo a ser sanado por reclamação, mesmo que se identifique com aquele a ser sanado pela via recursal, continua a existir. E tem prioridade! Afinal, a reclamação foi criada para ser um caminho mais rápido, destinado a remediar situações anômalas. Não é à toa que se chama reclamação. Simples assim.

Se isso não for o suficiente, é possível dizer em arremate: até o presente momento o TRF-4 ainda não exauriu sua jurisdição, pois ainda irá realizar o exame da admissibilidade do recurso especial e do recurso extraordinário interpostos pela defesa de Lula. A reclamação, sob qualquer ótica, deve ser julgada pelo STF, não sendo possível cogitar-se da perda de seu objeto.

 

 

 

Autor:  André Karam Trindade  é doutor em Direito, professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Guanambi (FG/BA) e advogado.


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