Os principais aspectos do Governo Eletrônico

Hugo César Hoeschl*

O tema Governo Eletrônico nasce sob a chancela da multidisciplinariedade. Materializa conexão direta entre aspectos destacados de duas grandes áreas: Sociais Aplicadas (principalmente Direito, Administração e Economia) e Tecnologia (principalmente Engenharias e Informática).

É muito difícil para estas áreas, ou respectivos ramos, o atendimento isolado às demandas do assunto. O Governo Eletrônico, visto somente sob a ótica da Administração, ou da Computação, ou do Direito, sem dúvida perderia em riqueza. Em sentido contrário, a adequada reunião dos aspectos relevantes de cada uma destas áreas, bem como de diversas outras, tende a oferecer interessantes subsídios à pesquisa do tema.

Alguns de seus principais aspectos são: internet; reorganização digital de procedimentos; ferramentas desktop (desenvolvimento, adaptação e capacitação); inteligência artificial; engenharia do conhecimento; inclusão digital; bases de dados inteligentes; democratização do acesso à tecnologia; simuladores e jogos; sufrágio digital.

A discussão de conceitos operacionais sobre temas como “Governo”, “Democracia”, “Estado”, “Sufrágio” e “Poder”, de um lado, e “Bits”, “Redes”, “Ciberespaço”, “Inteligência Artificial” e “Realidade Virtual”, de outro, constitui tarefa importante no sentido de se ampliar os limites de compreensão dos temas centrais e periféricos do “Governo Eletrônico”.

Apresentar uma definição pacífica de “Governo” certamente não á uma tarefa fácil, porém diversas noções são aceitáveis do ponto de vista científico. Uma delas é a gestão do poder público, em suas esferas e funções. Suas funções são consideradas a partir da clássica tricotomia “legislativo”, “executivo” e “judiciário”. Suas esferas, referenciadas pelo pacto federativo e pelo contexto constitucional, são a “municipal”, a “estadual” e a “federal”. Um importante ponto a ser esclarecido preliminarmente é a necessidade de não se confundir a expressão “governo” com “poder executivo federal”.

Da mesma forma, conceituar a expressão “eletrônico” também não é tarefa simples, e também existem diversos enfoques aceitos cientificamente, nos planos nacional e internacional. O sentido aqui conferido é o de qualificativos digitais, ou seja, um governo qualificado digitalmente, por ferramentas, mídias e procedimentos, sendo útil a ressalva no sentido de que o “Governo Eletrônico”, ou “e-gov”, ou “eletronic governance”, também pode ser chamado de “Governo Digital” (governo via bits).

Outro aspecto relevante é que a expressão “eletrônico” não pode ser limitada ao contexto “internet”. Interessantes exemplos de institutos eletrônicos de governo são a urna eletrônica, os softwares inteligentes e os simuladores, que prescindem da web para sua autonomia axiológica. Assim, de início, já podemos perceber que “Governo Eletrônico” é um conceito que transcende à noção de um site de uma esfera de governo.

Uma interessante noção de Governo Eletrônico pode ser encontrada na Prefeitura de Indianápolis – IndyGov, um dos primeiros portais de eGov do mundo. Seu teor é o seguinte: “Prover ao cidadão acesso permanente (24 h) a serviços, informações e agentes governamentais.” É necessário inserir nesta definição uso do conceito tecnologia nas ações do governo e na concepção de Estado.

O surgimento do conceito está fazendo emergir uma “quarta instância” como forma de governo.

A grande maioria dos autores divide as formas de governo em três grandes grupos, de acordo com a pluralidade de decisores: UM decisor (ditaduras e tiranias); ALGUNS decisores (tecnocracias e aristocracias); MUITOS decisores, (democracias). Com base em tais referenciais, alguns dos principais autores do pensamento político fazem as seguintes classificações:

-Maquiavel: Monarquias (Reinos e Principados) e Repúblicas (Aristocracia e Democracia);

-Bodin: Monarquia, Aristocracia e Democracia;

-Vico: Monarquia, República Aristocrática e República Popular;

-Montesquieu: Despotismo, Monarquia, República Aristocrática, República Popular;

-Bobbio: Monarquia, Aristocracia e Democracia

A forma mais pluralizada e distributiva que conhecemos vem sendo chamada de “democracia”, e tem muitas variantes e características. Ela presume a “vontade da maioria” como diretriz central para as ações de “Governo”, e é o ideal perseguido pelas nações ocidentais contemporâneas. Geralmente se materializa pelo voto direto na escolha de representantes e, eventualmente, pela realização de consultas populares.

A busca da democracia parece ser um “lugar comum” no mundo ocidental, e as discussões se dão no tocante à sua “melhor forma”. Em países como o Brasil e os EUA, podemos afirmar que vivemos, atualmente, sob uma forma de governo que mescla “democracia” com “aristocracia”, já que as eleições são esporádicas.

Ocorre que temos uma novidade no cenário. Pela primeira vez na história da humanidade estamos tendo a perspectiva de exercício do poder por “todos”, o “tempo todo”. Agora, “maioria” e “representatividade” passam a ser “coisas do passado”, ultrapassadas como referencial teórico (e prático).

Como se dará isso ? Mediante a junção da “teoria política” com as “tecnologias de informação e comunicação”. Usando a conectividade plena, TODOS passam a participar do processo, o tempo todo. Esta inovação supera inclusive o clássico exemplo da democracia Grega, tendo em vista que elimina as barreiras de “tempo” e “espaço”.

Por ora, vamos chamar este conceito de “Democracia Radical”, pensando, desde já, na busca de uma semântica mais descritiva e apropriada.

Obviamente, existem diversos problemas a serem superados, de ordem econômica, política, técnica, sociológica e etc. Também há ressalvas referentes às formulações teóricas sobre anarquismo e autogestão, que já existem há muito tempo. Mas, não tenha duvida, a “democracia representativa” esta’ com os seus dias contados, e o mesmo vale para o “mandato político”, pelo menos aquele compulsório.

Vale lembrar a advertência feita por Rousseau, no seu clássico “Contrato Social”, a qual contém uma forte crítica aos sistemas representativos:

“Toda lei não ratificada pelo povo em pessoa é nula”.

A principal fundamentação desta crítica está na “Vontade Geral”, conceito trabalhado por ele, sendo a vontade de todos no plano público. Rousseau a considera diferente da “soma das vontades”, com toda razão.

Prepare-se, pois a maior revolução da história das formas de governo está próxima, gerada pela tecnologia, e seu surgimento ocorrerá a partir da aproximação entre os conceitos de “governo” e “conectividade”.

Revista Consultor Jurídico.

Hugo César Hoeschl é doutor em Inteligência Aplicada e mestre em Direito pela UFSC, procurador da Fazenda Nacional e ex-promotor de Justiça, presidente do Conselho Científico da WebIS S. A. e do Conselho Consultivo do IJURIS – Instituto Jurídico de Inteligência e Sistemas.

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