O clamor por justiça de quem aguarda o julgamento dos embargos no RE 589.998

Autor:  Raul Haidar (*)

 

Ao encerrar o primeiro semestre de 2017 no Poder Judiciário, a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, fez um emocionado discurso, cujo trecho foi devidamente replicado em vários órgãos de imprensa:

“O clamor por justiça que hoje se ouve em todos os cantos do país não será ignorado em qualquer decisão desta casa. As vozes dos que nos antecederam e que velaram pela aplicação do Direito com o vigor de sua toga e o brilho de seu talento não deixam de ecoar em nossos corações. Não seremos ausentes aos que de nós esperam a atuação rigorosa para manter sua esperança de justiça. Não seremos avaros em nossa ação para garantir a efetividade da Justiça”.

Todavia, há uma classe de indivíduos que, por algum motivo, não está sendo ouvida, aliás, está sendo solenemente ignorada pelo Supremo: os (ex-)empregados de empresas públicas concursados que foram demitidos sem motivação e aguardam há mais de quatro anos o desfecho definitivo do Recurso Extraordinário 589.998/PI, que, pasmem, tramita há longos dez anosna suprema corte deste país.

Esse recurso foi admitido pelo Supremo em sede de repercussão geral em 2008, tendo como partes um ex-empregado dos Correios do Piauí (Humberto Rodrigues Pereira) e a ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), sendo admitido no Supremo Tribunal Federal como leading case para que fosse decidido se as empresas estatais podem ou não despedir imotivadamente.

Em 20/3/2013, foi, finalmente, julgado o RE 589.998, sendo fixada a seguinte tese de repercussão geral:

Os empregados públicos das empresas públicas e sociedades de economia mista não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal, mas sua dispensa deve ser motivada (Tema 131)”.

O acórdão demorou alguns meses para ser publicado, o que ocorreu em 12/9/2013, ou seja, há mais de quatro anos. Em 23/9/2013, a ECT entrou com embargos de declaração, alegando omissões e obscuridades no extenso e esclarecedor acórdão de 96 laudas.

O artigo 1.024 do atual Código de Processo Civil, que se aplica aos processos em curso, determina que o juiz julgará os embargos em cinco dias. O parágrafo 1º do mesmo dispositivo legal ainda dispõe que, nos tribunais, o relator apresentará os embargos em mesa na sessão subsequente, proferindo voto, e, não havendo julgamento nessa sessão, será o recurso incluído em pauta automaticamente.

O artigo 537 do CPC de 1973, vigente à época da interposição dos embargos, tinha a seguinte redação, sem alterações significativas no atual código:

Art. 537. O juiz julgará os embargos em 5 (cinco) dias; nos tribunais, o relator apresentará os embargos em mesa na sessão subseqüente, proferindo voto.

Em 28/8/2014, quase um ano após a publicação do acórdão e oferecimento dos embargos, foram abertas vistas ao embargado, para apresentação de suas contrarrazões, bem como determinado que depois fosse ouvida a Procuradoria-Geral da República.

O Ministério Público Federal, na pessoa do procurador-geral da República à época, Rodrigo Janot, proferiu parecer pelo desprovimento dos embargos (andamento processual de 16/10/2014), com a seguinte ementa:

TRABALHISTA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 131.CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. MERA IRRESIGNAÇÃO. DESPROVIMENTO. MODULAÇÃO DE EFEITOS. FUNDAMENTOS INSUFICIENTES. REJEIÇÃO.

Não cabem embargos de declaração quando não se alegam os vícios ensejadores desse recurso, nem se as alegações de contradição e obscuridade partem apenas da incompreensão subjetiva do embargante, retratando mero inconformismo com o resultado do julgamento.

Não é regra a modulação de efeitos, que não se justifica apenas pelas conseqüências econômicas advindas da sucumbência, mormente se caracterizada resistência injustificada do vencido em adequar-se às disposições constitucionais.

Parecer pelo desprovimento dos embargos de declaração e rejeição do pedido de modulação dos efeitos do acórdão embargado.

Todavia, com a ascensão do relator, ministro Ricardo Lewandowski, à Presidência do STF, no período de 2014 a 2016, o feito foi redistribuído a outro relator, sendo sorteado o ministro Roberto Barroso, que não participou do julgamento do recurso extraordinário em 2013 (sucedeu o então ministro Ayres Britto).

Desde então, as decisões não foram mais favoráveis aos empregados concursados demitidos imotivadamente que aguardavam o desfecho desse processo, para que os seus processos fossem finalmente julgados. Além de deferir liminar em uma ação cautelar proposta pela ECT em 2015 (AC 3.669), na qual o antigo relator do RE 589.998 já havia determinado inclusive a emenda da inicial, conforme se observa do andamento processual em 28/8/2014 no site do STF, o ministro Barroso, em maio de 2015, deferiu a liminar pleiteada, suspendendo todos os recursos extraordinários sobre o Tema 131.

Não obstante a referida decisão, continuaram o Tribunal Superior do Trabalho e outros órgãos do Judiciário trabalhista a julgar os processos sobre demissões imotivadas de estatais, suspendendo os feitos apenas em sede de recurso extraordinário, porém sem que tal suspensão impedisse as execuções provisórias, em especial para reintegrar os empregados imediatamente. Muitos, inclusive, conseguiram ser reintegrados, mas alguns foram literalmente ceifados do direito de serem reintegrados aos empregos nos quais foram admitidos mediante prévia aprovação em concurso público.

Isto porque, em 8/5/2017, o ministro Roberto Barroso determinou a suspensão nacional de todos os processos que tratam do referido assunto, sendo que também informou que, nessa data, solicitou inclusão em pauta para julgamento dos embargos pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Ocorre que, com a referida suspensão nacional, muitos processos que já se encontravam em execução provisória e com reintegração determinada pelo Judiciário foram suspensos, causando danos inestimáveis aos reclamantes, que em alguns casos não conseguiram ser reintegrados. Há numa mesma estatal casos de empregados reintegrados por decisões judiciais anteriores à decisão do ministro e outros que não tiveram a mesma sorte, pois a decisão não foi publicada antes da referida decisão.

Ou seja, a suspensão nacional, deferida monocraticamente e no atual estado do processo, sem uma previsão de data do julgamento, somente veio causar mais danos aos já injustiçados empregados concursados demitidos sem motivação, ao arrepio do artigo 37 da Constituição Federal de 1988.

Uma súmula do TST (Súmula ou OJ 247), que até aquela corte já entende, de forma praticamente unânime, estar superada após o julgamento do RE 589.998 em 2013, não pode prevalecer em face do princípio da impessoalidade, entre outros relativos à administração pública. Desde 5 de outubro de 1988, é obrigatória a motivação das dispensas de empregados de estatais em decorrência desse princípio, por força de previsão expressa do artigo 37 da CF/88, não sendo possível qualquer espécie de modulação dos efeitos do acórdão proferido em 2013, como ficou explicitado no parecer do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot.

Os empregados de estatais concursados que foram demitidos sem qualquer motivação clamam por justiça e esperam que esta seja feita e mantida pela suprema corte. Também aguardam que sejam os embargos brevemente incluídos em pauta e que seja feita a esperada justiça aos injustiçados com as demissões imotivadas.

 

 

Autor:  Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.


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