Cooperativas de trabalho não devem ser obrigadas a recolher ISS

Autor: Pedro Augusto de Almeida Mosqueira (*)

 

A discussão acerca da tributação das cooperativas de trabalho pelo ISS voltou à tona no âmbito do Superior Tribunal de Justiça com a decisão monocrática proferida nos autos do Agravo em Recurso Especial 1.160.270-SP (1ª Turma), na qual consignou-se que uma cooperativa de táxi deve recolher o ISS sobre todos os valores que ingressam no seu caixa relativos aos serviços prestados pelos seus cooperados, posto que, supostamente, tais serviços seriam prestados pela cooperativa, como entidade autônoma, e não pelo seus cooperados. Todavia, com a devida vênia, tal entendimento não deve prosperar.

As cooperativas de trabalho fornecem toda a estrutura administrativa para seus associados cooperados para que estes possam prestar serviços ao mercado. Concentram-se principalmente em buscar serviços para os cooperados e fazer cobranças. Seus estatutos normalmente deixam claro que o tomador de seus serviços é o profissional autônomo cooperado, que retribui tal prestação mediante o pagamento de uma taxa de administração, que é cobrada sem intuito lucrativo, para que sejam ressarcidos os custos administrativos da cooperativa. O tomador do serviço da cooperativa é, portanto, em regra, o cooperado, não outrem.

Quando a cooperativa é estruturada corretamente, as despesas incorridas na prestação do serviço objeto da cooperativa são suportadas pelo cooperado. No caso das cooperativas de transporte, por exemplo, o cooperado transportador arca com as despesas de combustível, manutenção de veículo, hospedagem etc., de maneira que o veículo usado na prestação de serviço é de sua propriedade ou é alugado por ele.

Ao firmar contratos com terceiros, a cooperativa age representando seus cooperados. Os ingressos decorrentes dos contratos firmados pela recorrente com os tomadores de serviço dos cooperados são apenas cobrados por ela, não lhe pertencem, não são de sua propriedade, sendo repassados aos cooperados. O que é de sua propriedade é a taxa de administração cobrada aos cooperados.

Ora, o que se descreve é um serviço administrativo que engloba, dentre outros serviços, o serviço de cobrança, que é feito para seus cooperados. Quanto ao serviço de cobrança prestado por empresas, o Fisco municipal habitualmente cobra o ISS sobre a totalidade dos ingressos no caixa do contribuinte? A resposta é negativa, a fiscalização logo concordaria que seria estranho sujeitar o contribuinte ao pagamento do ISS sobre valores que não são seus, mas de outrem, para quem está fazendo uma cobrança. Certamente o Fisco não agiria de tal maneira, com seu intuito natural de evitar a tributação de receitas de terceiros. O imposto certamente teria como base de cálculo a comissão do cobrador, que seria a receita deste.

Ou seja, caso o Fisco entenda que as cooperativas de trabalho prestam serviços administrativos tributáveis pelo ISS, a base de cálculo, da mesma maneira, só poderia ser a taxa de administração da cooperativa, por ser a receita (contábil) da recorrente, é a única entrada de dinheiro nos cofres da cooperativa que realmente reflete sua capacidade econômica. Causa estranheza a fiscalização cobrar das cooperativas o ISS sobre ingressos de dinheiro que não são de sua propriedade, mas dos cooperados.

Perguntar-se-ia se as cooperativas prestam serviços para terceiros não associados. A resposta é que não prestam, pelo menos não para fins tributários. O Fisco poderia argumentar que, ao oferecer a utilidade de procurar trabalho e fazer cobranças para seus cooperados, as cooperativas acabariam por prestar um serviço não apenas a seus cooperados, mas também àqueles que estão buscando mão de obra e utilizam os fazeres da cooperativa, tirando um proveito disso, posto que é uma facilidade para o empresário ligar para a cooperativa e solicitar mão de obra em vez de procurar ele mesmo tais trabalhadores no mercado. Isso implicaria em perda de tempo e dinheiro para o empresário, é verdade.

Todavia, tal utilidade oferecida para os que utilizam a mão de obra é totalmente gratuita, não há cobrança de nenhum preço a estes. Sequer há base de cálculo para lançar o tributo caso se alegue que a cooperativa presta serviços para os que solicitam a mão de obra. É serviço totalmente gratuito, não tributável pelo ISS, já que sequer há preço. Se o aspecto dimensível da hipótese de incidência do ISS sequer se manifesta, como se poderia alegar que tal serviço interessaria ao Fisco municipal? Não se trata de hipótese de incidência do ISS, posto que não é fato passível de mensuração, dimensificação.

Quanto aos serviços que a cooperativa presta aos seus cooperados, pelos quais há cobrança de um preço (taxa de administração), haveria no caso o aspecto dimensível da hipótese de incidência. Há um serviço que está sendo prestado e há a cobrança de um preço por ele. Mas ainda assim não há todas as condições necessárias para a ocorrência do fato gerador do ISS. Não há fato gerador, posto que tais serviços são prestados sem intuito lucrativo e para os próprios sócios da sociedade cooperativa, ou seja, presta serviços para si mesma, não se tratando de um serviço que é prestado em uma relação de mercado, mas, sim, em uma relação societária, que não é objeto de tributação. É caso muito similar ao das associações civis sem fins lucrativos, que também não praticam o fato gerador do ISS, conforme reiterada jurisprudência do STJ.

Ora, então cooperativas são imunes ao ISS? Não é isso que se passa. As cooperativas podem ser sujeito passivo do ISS quando prestam serviços a terceiros, não associados, bem como quando prestam serviços impróprios a qualquer um, serviços estes que fujam às suas finalidades estatutárias. Não há imunidade de ISS para cooperativas. O que ocorre com essas sociedades é que, normalmente, não praticam o fato gerador do imposto.

Não há dúvidas de que podem ser tributados os serviços prestados pela cooperativa a terceiros não cooperados. A confusão que se mantém é a de identificar o que seriam tais serviços que seriam tributáveis pelo ISS. Basta uma leitura atenta da Lei 5.764/71 para que a dúvida seja sanada.

LEI Nº 5.764/71

Art. 86. As cooperativas poderão fornecer bens e serviços a não associados, desde que tal faculdade atenda aos objetivos sociais e estejam de conformidade com a presente lei.

Art. 87. Os resultados das operações das cooperativas com não associados, mencionados nos artigos 85 e 86, serão levados à conta do “Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social” e serão contabilizados em separado, de molde a permitir cálculo para incidência de tributos. (…)

Art. 111. Serão considerados como renda tributável os resultados positivos obtidos pelas cooperativas nas operações de que tratam os artigos 85, 86 e 88 desta Lei.

Tais serviços tributáveis pelo ISS são, como a legislação determina, aqueles prestados a terceiros não cooperados, dentro das finalidades estatutárias da cooperativa. E tais serviços são os referidos pelo artigo 87 da Lei 5.764/71, cujas receitas são inteiramente revertidas à conta do Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social da cooperativa. Naturalmente, não se pode inferir pela interpretação da lei que os ingressos referentes aos serviços prestados pelos cooperados seriam os mencionados no artigo 86 acima transcrito. Não haveria lógica alguma, pois tais ingressos são repassados aos cooperados, não são direcionados a fundo algum.

Dessa forma, o que se conclui é que os serviços prestados pelas cooperativas são os que prestam aos seus associados, serviços estes que são fruto de uma relação societária, sem intuito lucrativo, que não deve ser tributada pelo ISS. Também podem prestar esses mesmos serviços para não associados, mas tais receitas receberão um tratamento contábil específico, irão para o Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social de que trata o artigo 87 da Lei 5.764 de 1971. Sobre tais receitas haverá pagamento do ISS e de até mesmo outros tributos, caso a legislação assim determine. Também pagariam o ISS caso prestassem serviços a seus cooperados que estivessem completamente fora das finalidades estatutárias da cooperativa.

Caso tal entendimento não seja acatado pelas autoridades, deve-se, no mínimo, reconhecer que a base de cálculo do ISS seria a taxa de administração cobrada pelas cooperativas, sob pena de se tributar algo que não é propriedade do contribuinte e que sequer reflete a sua capacidade econômica. Esse é inclusive o entendimento do STJ acerca da base de cálculo do ISS das cooperativas médicas.

 

 

 

Autor: Pedro Augusto de Almeida Mosqueira  é advogado, bacharel em Direito e especialista em Direito Financeiro e Tributário pela Universidade Federal Fluminense (UFF).


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