As penas aplicadas no passado e a vingança na hora de castigar

Edison Miguel da Silva Júnior*

Qual pena deve ser aplicada à babá que maltrata a criança que deveria cuidar? Se fosse meu filho, nem a prisão perpétua, nas lotadas cadeias brasileiras, aplacaria a minha revolta. Nenhum castigo diminui a dor de ver um filho sofrer. Mas, será que o Estado deve aplicar a pena guiado pelo sentimento de vingança?

Em sua origem remota, a pena significava apenas vingança: revide à agressão sofrida. Cometido um crime, ocorria a reação do ofendido, dos parentes e até do seu grupo social, que agiam sem proporção à ofensa, atingindo tanto o agressor, como também seus parentes e grupo. Os manuais de direito penal ensinam que nessa fase da história das penas – chamada de vingança privada – não raro ocorriam verdadeiras guerras entre grupos que culminavam com a eliminação de um deles ou de ambos.

A conhecida lei de talião, adotada pelo Código de Hamurabi (2.083 a.C.), procurou acabar com essas guerras que impediam o desenvolvimento da civilização, estabelecendo um limite objetivo entre a ofensa e a vingança (olho por olho, dente por dente). No caso da babá, a pena consistiria em ser maltratada da mesma forma que maltratou a criança que deveria cuidar.

É bem verdade que o Código de Hamurabi também adotava a composição – uma alternativa ao castigo na qual o criminoso se livrava da pena com a compra de sua liberdade –, mas a babá do nosso exemplo não tem moedas, gado ou armas.

De qualquer maneira, a história da pena segue o seu curso. Com a influência da religião na vida dos povos antigos, a vingança privada transformou-se em vingança divina. A pena passou a ser aplicada pelos sacerdotes, por delegação divina, que infligiam penas severas, cruéis e desumanas, visando especialmente intimidar a população. A babá, nessa fase da pena, não iria receber uma pena branda; talvez a morte por empalação, em oferenda a uma divindade.

Com a maior organização social, a civilização ocidental substituiu a vingança divina pela vingança pública. Nessa fase, a pena visava a segurança do príncipe ou a estabilidade do Estado pelo terror. Quanto mais severa e cruel fosse a pena mais forte era o soberano perante os seus súditos e estes mais submissos àquele. Nessa fase da pena, dependendo da repercussão do fato, a babá não escaparia de uma morte tormentosa em praça pública. Talvez, tivesse as mãos, que maltrataram a criança, queimada com fogo de enxofre, o corpo torturado com chumbo derretido, óleo fervente e piche em fogo, e a seguir puxado e desmembrado por quatro cavalos e os membros, com o resto do corpo, consumidos ao fogo e reduzidos a cinzas lançadas ao vento.

A lei nessa fase não era branda. Contudo, como observou Beccaria (Dos delitos e das penas, 1764): “Os países e os tempos em que se infligiam os suplícios mais atrozes sempre foram aqueles das ações mais sangüinárias e desumanas, pois o mesmo espírito de ferocidade que guiava a mão do legislador conduzia a do parricida e do sicário.” Enfim, a vingança penal aumenta a violência na sociedade, ou como quer a sabedoria popular adquirida ao longo dos séculos de lei penal severa: violência gera violência.

Por isso, quando o ideal da construção de uma sociedade livre, igualitária e fraterna se propagou pela Europa iluminista, a pena deixou de ser vingança para ser apenas um instrumento subsidiário de proteção dos valores considerados essenciais para a vida em sociedade. A lei penal ficou branda. As penas cruéis foram banidas porque não existe sociedade livre, igualitária e fraterna sem o respeito à dignidade da pessoa humana, mesmo que essa pessoa seja uma babá que maltratou a criança que deveria cuidar.

Nessa fase, a severidade da pena é substituída pela Justiça da pena. Inicialmente, pena de prisão e multa. Posteriormente, com a descoberta dos fatores criminógenos da prisão, a sua aplicação foi limitada com a criação das penas alternativas; como por exemplo, prestação de serviços à comunidade, que se aplica àquele que não tem moedas, gado ou armas.

Assim, respondendo à indagação inicial – qual a pena que deve ser aplicada à babá ou se o Estado deve aplicar pena seguindo um sentimento de vingança – dependerá da sociedade que se quer construir. Se for uma sociedade igualitária, livre e fraterna, a prestação de serviços à comunidade está em boa medida de Justiça. Ao contrário, se for para vingar a ofensa do crime, reconstruindo a sociedade do terror, devemos modificar a nossa lei e repetir os erros do passado.

Revista Consultor Jurídico

Edison Miguel da Silva Júnior é procurador de Justiça em Goiás, professor de Direito Penal na UNIP/Goiânia e autor do site Convite à Criminologia Crítica.

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