A indústria fonográfica e a briga com as rádios virtuais

Nehemias Gueiros Júnior*

A indústria fonográfica não descansa em relação à Internet. No último dia 20 de junho, depois de uma batalha que durou quase 4 anos, o U.S. Librarian of Congress, órgão responsável pela emissão de decisões relativas a padrões de cobrança e arrecadação de direitos autorais nos Estados Unidos proferiu sua sentença definitiva referente à obrigatoriedade de pagamento de royalties pelas rádios online, o chamado Webcasting.

Fixando em US$ 0.07 (sete centavos de dólar) por usuário por música ouvida via Web, além de um pagamento mínimo mensal de US$ 500.00, a decisão desencadeou uma grande movimentação nos dois lados da balança, embora ainda possa ser objeto de apelação federal em Washington. Quando entrar efetivamente em vigor, a nova lei resultará num gasto mensal de cerca de US$ 07.00 por mês, por pessoa, para as emissoras pequenas.

Pressionados pela poderosa RIAA (Recording Industry Association of América), a entidade que reúne as grandes gravadoras mundiais, as estações de rádio virtuais, que já operam há vários anos, alegam que a grande maioria de suas congêneres deixará de existir com o início dessa cobrança.

Com efeito, uma delas, Tag’s Trance Trip, de estilo rave já encerrou suas operações no dia 30 de junho com requintes de dramaticidade, executando canções tristes e discursos inflamados contra a política de pressão da indústria fonográfica “que pretende controlar a atmosfera virtual”. A decisão inédita modifica um pouco o quadro jurídico americano, em que as rádios convencionais há anos pagavam royalties apenas aos compositores, mas nunca repassaram nada aos artistas intérpretes e gravadoras.

Os royalties serão devidos a partir de novembro de 2002. Mesmo assim, a própria indústria fonográfica também irá recorrer da decisão, alegando que o valor é muito baixo e que “as gravadoras e os artistas é que acabarão subsidiando o Webcasting”. A proposta inicial da indústria era de um royalty de US$ 0.014 por faixa musical ouvida via Web, por usuário. Naturalmente que as grandes empresas que têm emissoras virtuais na Internet, como a AOL Spinner e a Listen.com vão conseguir arcar com os pagamentos, sem problemas, mas a grande maioria das existentes, várias delas artesanais, deverão mesmo encerrar suas operações ou migrar para o mundo subterrâneo.

Segundo um alto executivo da indústria, “aqueles que insistirem em continuar voando abaixo do radar estarão apenas desafiando o tempo”. Já foi criada inclusive uma empresa especializada para arrecadar e repassar os valores provenientes de royalties online, denominada SoundExchange, naturalmente controlada pelas gravadoras. Mas as reações não tardaram. Na Inglaterra, um game designer criou uma emissora virtual chamada Streamer, que tal como o Gnutella, não se utiliza de servidores centrais para veicular sua programação.

O criador desafia a RIAA, alegando que “não vai ficar de cadeira do outro lado do Atlântico assistindo à tentativa de controle do espaço aéreo virtual pela indústria fonográfica”. Na realidade, a tecnologia que transforma qualquer PC numa estação de rádio virtual já existe há vários anos. Uma das mais antigas é a Shoutcast e outro sistema que permite esse acesso é denominado IceCast, mas agora, com a provável regulamentação do Congresso americano esperada para breve, a guerra está apenas começando.

Tal como ocorreu na esteira do caso Napster, que a indústria fonográfica acabou conseguindo controlar ao custo de US$ 8 bilhões (hoje pertence ao grupo alemão Bertelsmann), sem contar os honorários de advogados, a situação apenas demonstra como a Internet é efetivamente incontrolável. Diversos sítios de download musical continuam operando tranqüilamente na Web, sem qualquer possibilidade de detecção iminente e oferecendo seus serviços gratuitamente, a maioria deles operada por aficcionados românticos que não colocam o lucro em primeiro lugar.

Na Inglaterra, nos anos 60 e 70, ficou famoso o caso da Radio Caroline, uma emissora que operava a partir de um navio fundeado na costa britânica além do alcance das 12 milhas náuticas de águas territoriais, em protesto contra o monopólio de rádio decretado pelo governo inglês. Na prática, a decisão americana, que faz história no seio da Web, ainda pende de apelações de ambos os lados.

A indústria fonográfica quer aumentar o valor dos royalties e as rádios virtuais querem extingui-lo. Fazendo uma rápida incursão ao Direito Comparado, é pouco provável que tão cedo se adote medida igual ou similar no Brasil. Em primeiro lugar porque o comportamento dos internautas brasileiros não segue rigidamente os padrões dos seus colegas americanos, que têm à sua disposição muito mais ferramentas tecnológicas para fuçar pela rede e principalmente pela inexistência de tantas rádios virtuais entre nós.

Depois, a legislação autoral brasileira, de 1998, mal contemplou a existência da Internet como meio protegível e sequer regulamentou ainda a lei, portanto não se teria como implementar uma medida dessa natureza no Brasil sem esbarrar em sérios problemas operacionais e logísticos, tais como já enfrenta o ECAD em sua tentativa de controlar a execução pública através das rádios e televisões convencionais.

O território brasileiro possui dimensões continentais e a atividade dos cerca de 14 milhões de internautas nacionais ainda se restringe em sua maior parte às grandes cidades. Por outro lado, com a crise econômica, poucas pessoas irão se aventurar em abrir um negócio sem regulamentação previsível ou movidos apenas pelo romantismo da Web. Ainda é um mundo muito admirável e muito novo para a realidade brasileira.

Revista Consultor Jurídico.

Nehemias Gueiros Júnior é advogado especializado em Direito Autoral e professor da Fundação Getúlio Vargas

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